Não penses compreender a vida nos autores.
Nenhum disto é capaz.
Mas a medida que vivendo fores,
Melhor os compreenderás.
Caio Fernando Abreu
"Depois de todas as tempestades e naufrágios, o que sobra de mim em mim é cada vez mais essencial e verdadeiro." Caio Fernando Abreu
30 dezembro 2008
Ler
"Leia não para contradizer nem para acreditar, mas para ponderar e considerar. Alguns livros são para serem degustados, outros para serem engolidos, e alguns poucos para serem mastigados e digeridos. A leitura torna o homem completo, as preleções dão a ele prontidão, e a escrita torna-o exato." (Francis Bacon – 1597)
18 dezembro 2008
São Paulo
por Washington Olivetto
Alguns dos meus queridos amigos cariocas têm mania de achar São Paulo parecida com Nova York.
Discordo deles. Só acha São Paulo parecida com Nova York quem não conhece bem a cidade.
Ou melhor, quem a conhece superficialmente e imagina que São Paulo seja apenas uma imensa Rua Oscar Freire.
Na verdade, o grande fascínio de São Paulo é parecer-se com muitas cidades ao mesmo tempo e, por isso mesmo, não se parecer com nenhuma.
São Paulo, entre muitas outras parecenças, se parece com Paris no Largo do Arouche, Salvador na Estação do Brás, Tóquio na Liberdade, Roma ao lado do Teatro Municipal, Munique em Santo Amaro, Lisboa no Pari, com o Soho londrino na Vila Madalena e com a pernambucana Olinda na Freguesia do Ó.
São Paulo é um somatório de qualidades e defeitos, alegrias e tristezas, festejos e tragédias. Tem hotéis de luxo, como o Fasano, o Emiliano e o L'Hotel, mas também tem gente dormindo embaixo das pontes. Tem o deslumbrante pôr-do-sol do Alto de Pinheiros e a exuberante vegetação da Cantareira, mas também tem o ar mais poluído do país.
Promove shows dos Rolling Stones e do U2, mas também promove acidentes como o da cratera do metrô e o do avião da TAM em Congonhas.
São Paulo é sempre surpreendente. Um grupo de meia dúzia de paulistanos significa um italiano, um japonês, um baiano, um chinês, um curitibano e um alemão.
São Paulo é realmente curiosa. Por exemplo: têm diversos grandes times de futebol, sendo que um deles leva o nome da própria cidade e recebeu o apelido 'o mais querido'. Mas, na verdade, o maior e o mais querido é o Corinthians, que tem nome inglês, fica perto da Portuguesa e foi fundado por italianos, igualzinho ao seu inimigo de estimação, o Palmeiras.
São Paulo nasceu dos santos padres jesuítas, em 1554, mas chegou a 2007 tendo como celebridade o permissivo Oscar Maroni, do afamado Bahamas.
São Paulo já foi chamada de 'o túmulo do samba' por Vinicius de Moraes, coisa que Adoniran Barbosa, Paulo Vanzolini e Germano Mathias provaram não ser verdade, e, apesar da deselegância discreta de suas meninas, corretamente constatada por Caetano Veloso, produziu chiques, como Dener Pamplona de Abreu e Gloria Kalil.
Em São Paulo se faz pizzas melhores que as de Nápoles, sushis melhores que os de Tóquio, lagareiras melhores que as de Lisboa e pastéis de feira melhores que os de Paris, até porque em Paris não existem pastéis, muito menos os de feira.
Em alguns momentos, São Paulo se acha o máximo, em outros um horror.
São Paulo teve o bom senso de imitar os botequins cariocas, e agora são os cariocas que andam imitando as suas imitações paulistanas.
São Paulo teve o mau senso de ser a primeira cidade brasileira a importar a CowParade, uma colonizada e pavorosa manifestação de subarte urbana, e agora o Rio faz o mesmo.
São Paulo se poluiu visualmente com a CowParade, mas se despoluiu com o Projeto Cidade Limpa.
Agora tem de começar urgentemente a despoluir o Tietê para valer, coisa que os ingleses já provaram ser perfeitamente possível com o Tâmisa.
Mesmo despoluindo o Tietê, mantendo a cidade limpa, purificando o ar, organizando o mobiliário urbano, regulamentando os projetos arquitetônicos, diminuindo as invasões sonoras e melhorando o tráfego, São Paulo jamais será uma cidade belíssima.
Porque a beleza de São Paulo não é fruto da mamãe natureza, é fruto do trabalho do homem.
Reside, principalmente, nas inúmeras oportunidades que a cidade oferece, no clima de excitação permanente, na mescla de raças e classes sociais.
São Paulo é a cidade em que a democratização da beleza, fenômeno gerado pela miscigenação, melhor se manifesta.
São Paulo é uma cidade em que o corpo e as mãos do homem trabalharam direitinho, coisa que se reconhece observando as meninas que circulam pelas ruas.
E se confirma analisando obras como o Pátio do Colégio (local de fundação da cidade), a Estação da Luz (onde hoje fica o Museu da Língua Portuguesa), o Mosteiro de São Bento, a Oca, no Parque do Ibirapuera, o Terraço Itália, a Avenida Paulista, o Sesc Pompéia, o palacete Vila Penteado, o Masp, o Memorial da América Latina, a Santa Casa de Misericórdia, a Pinacoteca e mais uma infinidade de lugares desta cidade que não pode parar, até porque tem mais carros do que estacionamentos.
São Paulo não é geograficamente linda, não tem mares azuis, areias brancas nem montanhas recortadas.
Nossa surfista mais famosa é a Bruna, e nossos alpinistas, na maioria, são sociais..
Mas, mesmo se levarmos o julgamento para o quesito das belezas naturais, São Paulo se dá mundialmente muito bem por uma razão tecnicamente comprovada.
Parque do Ibirapuera
Entre as maiores cidades do mundo, como Tóquio, Nova York e Cidade do México, em matéria de proximidade da beleza, São Paulo é, disparado, a melhor.
Porque é a única que fica a apenas 45 minutos de vôo do Rio de Janeiro. O mais importante é que com essa distância nenhuma bala perdida pode alcançar São Paulo!
(Washington Olivetto é paulista, paulistano e publicitário).
O espetáculo da vida
“Que você seja um grande empreendedor.
Quando empreender,
não tenha medo de falhar
Quando falhar,
não tenha receio de chorar.
Quando chorar,
repense a sua vida, mas não recue.
Dê sempre uma nova chance para si mesmo.
Encontre um oásis em seu deserto.
Os perdedores vêem os raios.
Os vencedores vêem a chuva e
a oportunidade de cultivar.
Os perdedores paralisam-se diante das perdas e dos fracassos.
Os vencedores começam tudo de novo.
Saiba que o maior carrasco do ser humano
é ele mesmo.
Não seja escravo dos seus pensamentos negativos.
Liberte-se da pior prisão do mundo:
o cárcere da emoção.
O destino raramente é inevitável,
mas sim uma escolha.
Escolha ser um ser humano consciente,
livre e inteligente.
Sua vida é mais importante do que todo o ouro do mundo.
Mais bela que as estrelas:
obra-prima do Autor da vida.
Apesar dos seus defeitos,
você não é um número na multidão.
Ninguém é igual a você no palco da vida.
Você é um ser humano insubstituível.
Por isso, desejo que você
jamais desista das pessoas que ama.
Jamais desista de ser feliz.
Lute sempre pelos seus sonhos.
Seja profundamente apaixonado pela vida.
Pois a vida é um espetáculo imperdível.”
(Augusto Cury)
Quando empreender,
não tenha medo de falhar
Quando falhar,
não tenha receio de chorar.
Quando chorar,
repense a sua vida, mas não recue.
Dê sempre uma nova chance para si mesmo.
Encontre um oásis em seu deserto.
Os perdedores vêem os raios.
Os vencedores vêem a chuva e
a oportunidade de cultivar.
Os perdedores paralisam-se diante das perdas e dos fracassos.
Os vencedores começam tudo de novo.
Saiba que o maior carrasco do ser humano
é ele mesmo.
Não seja escravo dos seus pensamentos negativos.
Liberte-se da pior prisão do mundo:
o cárcere da emoção.
O destino raramente é inevitável,
mas sim uma escolha.
Escolha ser um ser humano consciente,
livre e inteligente.
Sua vida é mais importante do que todo o ouro do mundo.
Mais bela que as estrelas:
obra-prima do Autor da vida.
Apesar dos seus defeitos,
você não é um número na multidão.
Ninguém é igual a você no palco da vida.
Você é um ser humano insubstituível.
Por isso, desejo que você
jamais desista das pessoas que ama.
Jamais desista de ser feliz.
Lute sempre pelos seus sonhos.
Seja profundamente apaixonado pela vida.
Pois a vida é um espetáculo imperdível.”
(Augusto Cury)
16 dezembro 2008
Soneto
E quando nós saímos era a Lua,
Era o vento caído e o amor sereno
Azul e cinza-azul anoitecendo
A tarde ruiva das amendoeiras.
E respiramos, livres das ardências
Do sol, que nos levara à sombra cauta
Tangidos pelo canto das cigarras
Dentro e fora de nós exasperadas.
Andamos em silêncio pela praia.
Nos corpos leves e lavados ia
O sentimento do prazer cumprido.
Se mágoa me ficou na despedida
Não fez mal que ficasse, nem doesse -
Era bem doce, perto das antigas.
Era o vento caído e o amor sereno
Azul e cinza-azul anoitecendo
A tarde ruiva das amendoeiras.
E respiramos, livres das ardências
Do sol, que nos levara à sombra cauta
Tangidos pelo canto das cigarras
Dentro e fora de nós exasperadas.
Andamos em silêncio pela praia.
Nos corpos leves e lavados ia
O sentimento do prazer cumprido.
Se mágoa me ficou na despedida
Não fez mal que ficasse, nem doesse -
Era bem doce, perto das antigas.
(Rubem Braga – 1947)
14 dezembro 2008
Vilarejo
Marisa Monte
Há um vilarejo ali
Onde Areja um vento bom
Na varanda, quem descansa
Vê o horizonte deitar no chão
Pra acalmar o coração
Lá o mundo tem razão
Terra de heróis, lares de mãe
Paraiso se mudou para lá
Por cima das casas, cal
Frutas em qualquer quintal
Peitos fartos, filhos fortes
Sonho semeando o mundo real
Toda gente cabe lá
Palestina, Shangri-lá
Vem andar e voa
Lá o tempo espera
Lá é primavera
Portas e janelas ficam sempre abertas
Pra sorte entrar
Em todas as mesas, pão
Flores enfeitando
Os caminhos, os vestidos, os destinos
E essa canção
Tem um verdadeiro amor
Para quando você for
Há um vilarejo ali
Onde Areja um vento bom
Na varanda, quem descansa
Vê o horizonte deitar no chão
Pra acalmar o coração
Lá o mundo tem razão
Terra de heróis, lares de mãe
Paraiso se mudou para lá
Por cima das casas, cal
Frutas em qualquer quintal
Peitos fartos, filhos fortes
Sonho semeando o mundo real
Toda gente cabe lá
Palestina, Shangri-lá
Vem andar e voa
Lá o tempo espera
Lá é primavera
Portas e janelas ficam sempre abertas
Pra sorte entrar
Em todas as mesas, pão
Flores enfeitando
Os caminhos, os vestidos, os destinos
E essa canção
Tem um verdadeiro amor
Para quando você for
Aula de Matemática
Pra que dividir sem raciocinar
Na vida é sempre bom multiplicar
E por A mais B
Eu quero demonstrar
Que gosto imensamente de você
Por uma fração infinitesimal,
Você criou um caso de cálculo integral
E para resolver este problema
Eu tenho um teorema banal
Quando dois meios se encontram desaparece a fração
E se achamos a unidade
Está resolvida a questão
Prá finalizar, vamos recordar
Que menos por menos dá mais amor
Se vão as paralelas
Ao infinito se encontrar
Por que demoram tanto os corações a se integrar?
Se infinitamente, incomensuravelmente,
Eu estou perdidamente apaixonado por você.
(Antônio Carlos Jobim)
Na vida é sempre bom multiplicar
E por A mais B
Eu quero demonstrar
Que gosto imensamente de você
Por uma fração infinitesimal,
Você criou um caso de cálculo integral
E para resolver este problema
Eu tenho um teorema banal
Quando dois meios se encontram desaparece a fração
E se achamos a unidade
Está resolvida a questão
Prá finalizar, vamos recordar
Que menos por menos dá mais amor
Se vão as paralelas
Ao infinito se encontrar
Por que demoram tanto os corações a se integrar?
Se infinitamente, incomensuravelmente,
Eu estou perdidamente apaixonado por você.
(Antônio Carlos Jobim)
Na ponta do morro
Na ponta do morro,
mulheres descalças
põem flores nas jarras
da capela de ouro.
As jarras são feias,
têm asas quebradas.
Também as toalhas
se esgarçam nas rendas.
As mulheres passam,
com gestos antigos,
entre crucifixos
e auréolas de prata.
Seus gestos são os mesmos
gestos de outras datas,
dentro de outras raças,
longe, noutros templos.
Mas não sabem disso,
e mudam, nas jarras,
as flores e a água
com o jeito submisso
de quem se contenta
em ser sombra vaga
da Vida Sonhada
por toda a existência.
(Poesia Completa, Canções)
mulheres descalças
põem flores nas jarras
da capela de ouro.
As jarras são feias,
têm asas quebradas.
Também as toalhas
se esgarçam nas rendas.
As mulheres passam,
com gestos antigos,
entre crucifixos
e auréolas de prata.
Seus gestos são os mesmos
gestos de outras datas,
dentro de outras raças,
longe, noutros templos.
Mas não sabem disso,
e mudam, nas jarras,
as flores e a água
com o jeito submisso
de quem se contenta
em ser sombra vaga
da Vida Sonhada
por toda a existência.
(Poesia Completa, Canções)
12 dezembro 2008
Para todas as mulheres
Depois de um bom tempo dizendo que eu era a mulher da vida dele, um belo dia eu recebo um e-mail dizendo: 'olha, não dá mais'.
Tá certo que a gente tava quase se matando e que o namoro já tinha acabado mesmo, mas não se termina nenhuma história de amor (e eu ainda o amava muito) com um e-mail, não é mesmo?
Liguei pra tentar conversar e terminar tudo decentemente e ele respondeu: 'mas agora eu to comendo um lanche com amigos'.
Enfim, fiquei pra morrer algumas semanas até que decidi que precisava ser uma mulher melhor para ele. Quem sabe eu ficando mais bonita, mais equilibrada ou mais inteligente, ele não volta pra mim?
Foi assim que me matriculei simultaneamente numa academia de ginástica, num centro budista e em um curso de cinema.
Nos meses que se seguiram eu me tornei um dos seres mais malhados, calmos, espiritualizados e cinéfilos do planeta. E sabe o que aconteceu? Nada, absolutamente nada, ele continuou não lembrando que eu existia.
Aí achei que isso não podia ficar assim, de jeito nenhum, eu precisava ser ainda melhor pra ele, sim, ele tinha que voltar pra mim de qualquer jeito.
Pra isso, larguei de vez a propaganda, que eu não suportava mais, e resolvi me empenhar na carreira de escritora, participei de vários livros, terminei meu próprio livro, ganhei novas colunas em revistas, quintupliquei o número de leitores do meu site e nada aconteceu.
Mas eu sou taurina com ascendente em Áries, lua em Gêmeos e filha única! Eu não desisto fácil assim de um amor, e então resolvi tinha que ser uma super, ultra mulher para ele, só assim ele voltaria pra mim.
Foi então que passei 35 dias na Europa, exclusivamente em minha companhia, conhecendo lugares geniais, controlando meu pânico em estar sozinha e longede casa, me tornando mais culta e vivida. Voltei de viagem e tchân, tchân, tchân, tchân: nem sinal de vida.
Comecei um documentário com um grande amigo, aprendi a fazer strip, cortei meu cabelo 145 vezes, aumentei a terapia, li mais uns 30 livros, ajudei os pobres, rezei pra Santo Antonio umas 1.000 vezes, torrei no sol, fiz milhares de cursos de roteiro, astrologia e história, aprendi a nadar, me apaixonei por praia, comprei todas as roupas mais lindas de Paris.
Como última cartada para ser a melhor mulher do planeta, eu resolvi ir morar sozinha.
Aluguei um apartamento charmoso, decorei tudo brilhantemente, chamei amigos para a inauguração, servi bom vinho e comidinhas feitas, claro, por mim, que também finalmente aprendi a cozinhar.
Resultado disso tudo: silêncio absoluto.
O tempo passou, eu continuei acordando e indo dormir todos os dias querendo ser mais feliz para ele, mais bonita para ele, mais mulher para ele.
Até que algo sensacional aconteceu. Um belo dia eu acordei tão bonita, tão feliz, tão realizada, tão mulher, que eu acabei me tornando mulher DEMAIS para ele. Ele quem mesmo???
(*) não tenho certeza se é da Martha Medeiros
11 dezembro 2008
Absurdo
Tornarmo-nos esfinges, ainda que falsas, até chegarmos ao ponto de já não sabermos quem somos. Porque, de resto, nós o que somos é esfinges falsas e não sabemos o que somos realmente. O único modo de estarmos de acordo com a vida é estarmos em desacordo com nós próprios. O absurdo é o divino.
Estabelecer teorias, pensando-as paciente honestamente, só para depois agirmos contra elas – agirmos e justificar as nossas acções com teorias que as condenam. Talhar um caminho. Ter todos os gestos e todas as atitudes de qualquer coisa que nem somos, nem pretendemos ser, nem pretendemos ser tomados como sendo.
Comprar livros para não os ler; ir a concertos nem para ouvir a música nem para ver quem lá está; dar longos passeios por estar farto de andar e ir passar dias no campo só porque o campo nos aborrece.
(trecho 23 do 'Livro do Desassossego')
Sinfonia de uma noite inquieta
Dormia tudo como se o universo fosse um erro; e o vento; flutuando incerto, era uma bandeira sem forma desfraldada sobre um quartel sem ver. Esfarrapava-se coisa nenhuma no ar alto e forte, e os caixilhos das janelas sacudiam os vidros para que a extremidade se ouvisse. No final de tudo, calada, a noite era o túmulo de Deus (a alma sofria com pena de Deus).
E, de repente – nova ordem das coisas universais agia sobre a cidade – o vento assobiava no intervalo do vento, e havia uma noção dormida de muitas agitações na altura. Depois a noite fechava-se como um alçapão, e um grande sossego fazia vontade de ter estado a dormir.
(trecho do 'Livro do Desassossego' – trecho 32)
Desalento
Sim, vai e diz
Diz assimQue eu chorei
Que eu morri
De arrependimento
Que o meu desalento
Já não tem mais fim
Vai e diz
Diz assim
Como sou
Infeliz
No meu descaminho
Diz que estou sozinho
E sem saber de mim
Diz que eu estive por pouco
Diz a ela que estou louco
Pra perdoar
Que seja lá como for
Por amor
Por favor
É pra ela voltar
Sim, vai e diz
Diz assim
Que eu rodei
Que eu bebi
Que eu caí
Que eu não sei
Que eu só sei
Que cansei, enfim
Dos meus desencontros
Corre e diz a ela
Que eu entrego os pontos
(1970)
E assim....
E assim sou, fútil e sensível, capaz de impulsos violentos e absorventes, maus e bons, nobres e vis, mas nunca de um sentimento que subsista, nunca de uma emoção que continue, e entre para a substância da alma. Tudo em mim é a tendência para ser a seguir outra coisa; uma impaciência da alma consigo mesma, como uma criança inoportuna; um desassossego sempre crescente e sempre igual. Tudo me interessa e nada me prende. Atendo a tudo sonhando sempre; fixo os mínimos gestos faciais de com quem falo, recolho as entoações milimétricas dos seus dizeres expressos; mas ao ouvi-lo, não o escuto, estou pensando noutra coisa, e o que menos colhi da conversa foi a noção do que nela se disse, da minha parte ou da parte de com quem falei. Assim muitas vezes, repito a alguém o que já lhe repeti, pergunto-lhe de novo aquilo a que ele já me respondeu; mas posso descrever, em quantas palavras fotográficas, o semblante muscular com que ele disse o que me não lembra, ou a inclinação de ouvir com os olhos com que recebeu a narrativa que me não recordava ter-lhe feito. Sou dois, e ambos têm a distância – irmãos siameses que não estão pegados.
(do 'Livro do Desassossego' trecho 10)
10 dezembro 2008
Acreditar
"Mas era um homem de fé. Acreditava em seus amigos, na verdade das coisas e em algo em que não se atrevia a pôr um nome ou um rosto, pois dizia que para isso existíamos nós, os padres. O sr. Sempere acreditava que todos fazíamos parte de algo e que, ao deixar esse mundo, nossas lembranças e nossos desejos não se perdiam, mas passavam a ser lembranças e desejos de quem viesse ocupar nosso lugar. Não sabia se havíamos criado Deus à nossa semelhança ou se Ele nos tinha criado sem saber muito bem o que fazia. Acreditava que Deus, ou o que quer que seja que nos trouxe para esse mundo, vivia em cada uma das nossas ações, em cada uma de nossas palavras e se manifestava em tudo o que nos fazia ser algo além de simples figuras de barro. O sr. Sempere acreditava que Deus vivia um pouco, ou muito, nos livros e por isso dedicou sua vida a partilhá-los, a protegê-los e a garantir que suas páginas, como nossas lembranças e nossos desejos, não se perdessem jamais, pois acreditava. e me fez acreditar também, que, enquanto restar uma só pessoa no mundo capaz de lê-los e vivê-los, haverá um pedaço de Deus ou de vida."
(texto do livro 'O Jogo do Anjo' – págs. 306/307 – Carlos Ruiz Zafón)
08 dezembro 2008
A inveja
– A inveja é a religião dos medíocres. Ela os reconforta, responde às angústias que os devoram por dentro. Em última análise, apodrece suas almas, permitindo que justifiquem sua própria mesquinhez e cobiça, até o ponto de pensarem que são virtudes e que as portas do céu se abrirão para os infelizes como eles, que passam pela vida sem deixar outro rastro senão suas toscas tentativas de depreciar os demais, de excluir e, se possível, destruir quem, pelo mero fato de existir, coloca em evidência sua pobreza de espírito, de mente e de valores. Bem-aventurado, aquele para quem os cretinos ladram, pois sua alma nunca lhes pertencerá.
(texto do livro 'O Jogo do Anjo' págs. 18/19 – Carlos Ruiz Zafón)
07 dezembro 2008
Cartas
Olá, coisa ruim, coisa péssima, o assunto é contigo – e comigo. Não dizem que a gente deve exorcizar nossos demônios? Não sei como se faz isso, então resolvi escrever, que é sempre um método. Você aí – na verdade, aqui: escondido em mim, calado, canastrão. No fundo você se diverte, adora me ver atrapalhada. "Hoje ela se entrega, hoje ela cai." Você vai me tentar até o final, mas não entro no seu esquema, não vou ceder.
Por que você não se instala em outro corpo, em outra mente, que tal vazar, me esvaziar, se escafeder? Eu já acreditei, um dia, que você era um inquilino necessário, o tal do contraponto, um equilíbrio, algo que todo mundo traz dentro, alimenta e blablablá. Mas estou cansada. Esgotada mesmo. Não consigo mais negociar com você. Esta é uma carta de demissão. Tô te demitindo, te expulsando, porque você é quem tem que sair, eu não posso sair de mim mesma.
Foi por pouco ontem. Tem sido por pouco todos os dias. Semana passada, quando eu peguei a estrada e fui dirigindo até aquela cidadezinha para dar uma palestra da universidade, pensei que não iria conseguir voltar. Me veio a idéia bem clara: daqui eu sigo em frente, não retorno mais, o dinheiro que tenho me basta para pagar umas poucas diárias e a gasolina, depois arranjo um emprego em qualquer buraco e começo outra vida, que nem nos filmes. Pinto o cabelo, troco de nome, ninguém me acha. Claro que eles iriam me procurar, porque eu posso não ser a melhor mãe do mundo mas eles não têm outra.
E com o pivete aquele, a mesma coisa. Eu podia ter subido na carona daquela moto, eu bem que quis. Um guri bonitinho, sem camisa, de corpo bom, me secando na fila do banco como se eu fosse uma biscate, me esperando na saída, quer que eu te leve para algum lugar? Eu queria, viu. Eu queria ir com ele feito uma pizza, naquela moto enferrujada, com aquele guri sem camisa. O que de mau poderia me acontecer? Levar uma bofetadas na cara, ser comida por três no meio do mato, o cara me roubar o relógio. Mas poderia ter sido também uma tarde doce. A gente nunca sabe o que perdeu. Voltei para casa com a integridade de sempre e, pra variar, nenhuma surpresa me aguardava.
Ontem eu pensei que ia surtar. Tudo começou com aquela voz metálica da vizinha falando com o zelador através da janela do terceiro andar. Amanhê tenho que passar roupa. Amanhê. E continuava: eu sempre passo na terça-feira, às vez na quarta. Às vez. E não era só o fato de ela falar desse jeito medonho, era também o fato de ela passar roupa toda terça-feira, como se fosse uma missa, tem que ser aquele dia, naquela hora, em nenhuma outra: uma mulher programada para passar roupa na terça. Claro que não tenho nada a ver com isso, mas foi me dando uma irritação, fui pensando na minha vida e me lembrei que vou ao supermercado toda segunda, e faço a unha toda terça, e toda quarta-feira minha sogra almoça conosco, e me deu uma raiva desses compromissos que a gente inventa para se sentir com os pés no chão e para evitar sair por aí fazendo besteira, então eu pensei: vou fazer besteira, vou fazer. Tive vontade de quebrar a casa toda. Derrubar os enfeites da cristaleira, quebrar tudo que fosse de vidro, jogar cadeiras pela janela, só pelo prazer do estrondo, mas antes que eu iniciasse minha carreira de vândala comecei a chorar, e foi um choro tão sentido que você até riu de mim, pensou "hoje ela se entrega, hoje ela cai", mas eu não caí, e meia hora depois estava dobrando as roupas das crianças que estavam esparramadas pelo chão.
Você é forte, demônio. Eu também sou. Mas rogo por trégua, jogo a toalha, te peço de joelhos: tome um chá de sumiço, vá dar uma volta, aportar em outra alma, que esta minha já esta gasta e não vê graça alguma nas suas provocações. Quero que você me deixe, porque simpatizo cada vez mais com você.
Leila
Resposta
Oi, Leilinha,
que imagem feia você tem de mim, minha flor. Todos possuem seu próprio demônio, eu sou o seu. Aliás, eu sou você. Não poderia fazer parte da sua vida como um intruso, você me acolheu ao nascer, somos feitos da mesma matéria. Vai querer me expulsar no bem-bom, justo agora que você é uma mulher adulta? Pense bem, sua vida ficaria um tédio sem mim. Eu sou o que te faz levantar da cama todos os dias, boba. E o que te faria deitar em tantas outras, se você não fosse tão resistente aos meus apelos.
Que vulnerável que você está, meu bem. Sofrendo por bobagem. Como se eu fosse seu inimigo. Eu sou a única coisa viva que você tem. Não fosse eu, você seria uma boazinha, uma fofa – pode coisa pior?
Algumas pessoas até conseguem me abafar, mas usam métodos mais eficientes do que este seu de pedir – pedir, santa ingenuidade! – para eu ir embora. Você não reza, pra começar. Se quisesse mesmo que eu desaparecesse, você rezaria, mas não reza, graças a Deus. Não suporto essa gente que junta as mãos, fecha os olhos, abaixa a cabeça e fica falando baixinho, miudinho, num cochicho irritante. Elas se matariam em troca de um pecado, quem lhes dera um erro em suas vidas. Inventam que tudo é coisa do demo – coisa minha – para terem do que se orgulhar aos domingos. "Pequei, padre!" Devem achar isso excitante. Que pobreza.
Dessas eu me afasto mesmo, não suporto falsidade. Mas você não reza, princesa, então tem salvação. Você apenas pede, numa cartinha singela, que eu a deixe em paz. Só faltou escrever "vade-retro". Mas não escreveu, não cometeu esse deslize abominável. Você me quer, amada. Você me deseja ardentemente. Você adoraria que eu tomasse conta de você. Pelo menos foi isso que eu entendi naquela sua última frase. Simpatiza comigo? Ora, você me ama. O que demonstra que tem Q.I. razoável. Vamos namorar?
Agora que você está mais mansinha, vamos deixar de viadagem e ir ao que interessa. Ao que te interessa. Se quiser que eu tome posse, eu tomo. Te ajudo a quebrar os enfeites da casa, a pegar estradas e não voltar, a se deixar seduzir por trombadinhas. Qualquer problema, você joga a culpa em mim, eu seguro a onda.
Mas há maneiras de fazer isso sem tanto estardalhaço. E sem tanto medo. Vem cá, bonitinha, se aproxime.
Há quanto tempo você não se sente mulher? Mulher e demônio são uma coisa só, você sabe. Deixa eu ver este rostinho. Nossa, quanta melancolia neste olhar. Você está perdendo as forças de tanto resistir a mim. E eu nem sou tão malvado assim, garota. Meu papel é apenas de estimular sua liberdade, porque não é possível alguém ser escravo do bom comportamento o tempo todo. Pense bem: você tem a mania irritante de atender a todos os telefonemas, todos. Não atenda. Deixe tocar de vez em quando, não interrompa o que estiver fazendo, mesmo que esteja deitada no sofá olhando pro teto. Não dê atenção ao chato que está chamando. E se você esqueceu do aniversário da sua irmã, esqueceu, ora. Sem drama. Não caia no papo chantagista dela, todo mundo tem o direito de esquecer algumas datas, mande ela pentear macaco. E quando não estiver com vontade de dizer a verdade, minta. Quer trocar uma tarde de trabalho por um banho de piscina, o que te impede? E se quer ter sexo com alguém diferente, a mesma pergunta: o que te impede? Sou seu avalista, meu bem.
E pode exagerar na conta. Tenho certeza de que suas fantasias são mais radicais do que estas bobagens que eu propus. Você é muito mais imaginativa do que eu, todas vocês são. Quer sumir por alguns dias? É só deixar um bilhete, sumirei por alguns dias, tem carne congelada na geladeira. Isto da carne congelada vai amenizar o golpe. Tudo o que uma família precisa é ser alimentada. Não vão dar pelo seu desaparecimento. Puf. Mamãe evaporou.
Enxugue essas lágrimas inúteis, levante este queixo e vá tratar da vida. Faça tudo o que deseja fazer. Você acha que depois de morta vai ganhar um bônus? Uma prorrogação para tentar sair desse empate? Esqueça o empate. Vença. Perca. Ofereça a si mesma algum resultado.
É você mesma quem assina. E eu.
(cartas do livro 'Tudo que eu queria te dizer')
04 dezembro 2008
um pouco mais de frases
Epígrafe
"No lugar onde se queimam livros, no fim se queimam homens."
As únicas coisas eternas são as nuvens...
(Mário Quintana)
Carreto
Amar é mudar a alma de casa.
(Mário Quintana)
"No lugar onde se queimam livros, no fim se queimam homens."
(Heirinch Heine)
"Na luta de um grande com um pequeno, ficar de fora não é ser neutro, é estar do lado do grande." (desconheço autoria)
"Na luta de um grande com um pequeno, ficar de fora não é ser neutro, é estar do lado do grande." (desconheço autoria)
"Se as viagens instruíssem os homens, os marinheiros seriam os mais instruídos." (Marques de Maricá)
"Tudo que chega, chega sempre por alguma razão." (Fernando Pessoa)
"Quando defendemos os nossos amigos, justificamos a nossa amizade." (Marques de Maricá)
"Se matamos uma pessoa, somos assassinos. Se matamos milhões de homens, celebram-nos como heróis." (Charles Chaplin)
Pastora descrida
Eu, pastora, que apascento
estrelas da madrugada
pelas campinas do vento,
estrelas da madrugada
pelas campinas do vento,
fui falar ao eco antigo,
a cuja voz fui criada,
e que supus meu amigo.
"Sou sempre a de antigamente",
murmurei-lhe, enternecida.
E ele anunciou longe: 'Mente!'
Mas era a minha verdade
e, vendo-me assim descrida,
padeci com a falsidade.
"Eco amigo, eu não te iludo:
pastora sou destes prados
onde se confunde tudo;
mas sou de ontem e de agora,
dentro dos despedaçados
instantes de nenhuma hora...
A amargura não me aumentes..."
E o eco antigo, infiel e exato,
repetiu-me perto: 'Mentes...'
Vergada em móveis espelhos,
vi nas águas meu retrato,
chorei sobre mim, de joelhos.
Mas o gado que pascia
pelas colinas da aurora,
mascando as margens do dia,
veio a mim sem que o esperasse,
lambeu-me os olhos de outrora,
– reconheceu a minha face.
Feliz Ano Novo
Texto publicado (Folha de São Paulo) originalmente em forma corrida (prosa) e "rearrumado" em versos livres, sem a autorização do autor, mas como homenagem ao intenso conteúdo poético, por Soares Feitosa.
O ano de ver
através do vidro o eclipse do sol contra a neblina
pela janela da infância,
o ano de ver as primeiras imagens de
minha mãe,
que era uma Greta Garbo linda
com ombros altos e cabelo de coque "bomba atômica"
e lábios vermelhos, o ano
da coqueluche em que meu pai me levou de avião até 4.000 metros
para curar a tosse entre nuvens,
o ano de temer o quarto onde
meus pais conceberiam
minha irmã, o ano de olhar árvores, bichos
e gente como se eu morasse
fora do mundo (mistério que até hoje dura),
o ano do medo de levar porrada nas ruas da infância, o ano
das pernas das mulheres, colunas altas e distantes
(até hoje),
o ano dos fantasmas do fundo do corredor,
o ano do cachorro
atropelado, o ano dos meninos se comendo de solidão,
o ano de ficar olhando o vento no quintal,
o ano dos formigueiros,
o ano do sarampo e sua lâmpada vermelha,
o ano da catapora, o ano da luz azul do quarto da pneumonia de minha irmã,
o ano da cabeça quebrada, o ano da cara quebrada,
o ano de entender o porquê
dos miseráveis do morro da Mangueira
perto de minha casa,
o ano de ver o primeiro filme de minha vida, o "Ladrão de Bagdá",
e ficar sonhando com as coxas da odalisca no tapete voador,
o ano dos balões no céu, o ano do Mercury "grená" de meu pai
brilhando na luz da rua,
o ano do cuspe, o ano da porrada na esquina,
o ano dos palavrões, o ano da "merda" e da "puta que pariu",
o ano da inveja, o ano da bicicleta, o ano da primeira
namorada que me tratava
como nada,
o ano de temer a Deus e de contar
meus crimes aos padres negros de quem eu beijava a mão,
o ano em que um padre me deu um beijo na boca e eu fugi
com pânico na alma,
o ano do Porcolino, do Pernalonga, o ano do Hortelino Trocaletra,
das mil e uma noites, o ano da mula-sem-cabeça e do mendigo
que dava mijo para a mãe, o ano
da camisa-de-vênus boiando na beira da praia, o ano do negro
comendo a empregada no quarto de passar roupa, o ano da
febre, o ano da violência dos colegas de colégio, o ano dos
padres jesuítas sofrendo de solidão nas clausuras e o ano
das lâmpadas tristes das noites do colégio,
o ano das velas de cera
na igreja, o ano dos paramentos, o ano do coroinha sem fé, o ano
do covarde,
o ano do perigo de ser currado nos fundos do colégio,
o ano do soco na cara do mais forte e do sangue no nariz do valentão,
o ano
da descoberta do orgulho,
o ano do Tarzan,
o ano do Super-Homem, o ano da porra,
o ano da punheta de esguicho que ia até o teto de ladrilho
por causa da primeira mulher de biquíni na praia,
o ano da punheta pela empregada de peitos grandes e que deixava
quase tudo,
o ano da dor nos rins, o ano
de entrar no porão com a menina,
o ano de sentir o gosto de cuspe da menina,
o ano de sentir o cheiro
do entrepernas da menina e ficar
com aquele cheiro até hoje,
o ano da primeira
mulher e, antes da primeira mulher,
o ano da descoberta da literatura
e de Rimbaud e o ano
de ficar escrevendo o dia inteiro
numa febre
de descobrir qualquer coisa que ainda acho que vou achar,
o ano agora sim, da primeira mulher,
uma aeromoça louca da Panair que parecia uma odalisca
caída do céu,
o ano do meu corpo e do corpo da mulher,
o ano das lágrimas quentes, o ano
da solidão,
o ano das pernas cruzadas dos primeiros puteiros
visitados,
o ano do Mangue, da indescritível visão do Mangue que só Segall conheceu,
com as mil mulheres tremendo a língua para fora e
de calça e sutiã nas calçadas, o ano dos bordéis antigos da luz mortiça,
o ano das coxas, dos peitos, o ano cabeludo,
o ano oleoso, o ano das peles, o ano dos vasos de louça,
o ano de nada entender,
o ano da gonorréia, o ano de Thereza e de comer o primeiro amor e de flutuar
de paixão a um palmo das calçadas de Copacabana,
o ano da lua dourada, do sol vermelho, o ano de Ipanema,
de Leila Diniz,
o ano dos gritos
da mulher amada no colchão sujo e esfiapado que era um aparelho do Partido
Comunista numa noite de chuva,
o ano do amor e da revolução,
as duas coisas se confundindo
("serão as bombas ou meu coração batendo?" diria o Bogart em "Casablanca"),
o ano da UNE
pegando fogo,
o ano dos exilados, o ano de Corisco, o ano de Tom e Vinicius,
o ano do "Carcará", o ano do cinema
novo da noite negra do Ato 5, o ano que não terminou,
o ano da boca fechada, o ano da boca no cano de descarga, o ano do nervo
do dente exposto na boca do torturado, o ano das unhas
arrancadas,
o ano dos gritos,
o ano dos guerrilheiros
suicidas, o ano de cortar
a barriga com a faca de bambu, o ano de cortar
os pulsos com gilete
enferrujada,
o ano das cabeças
muito loucas, o ano de viver
perigosamente,
o ano da mescalina e do ácido, o ano das pernas e
dos braços virando cobras na "bad trip" da beira da praia, o ano
das ondas vermelhas e céus tangerina,
o ano de Copacabana
virando gelatina colorida,
o ano de Janis Joplin de porre comigo
num puteiro baiano cantando ponto de candomblé,
o ano da esperança nova, o ano de Nelson Rodrigues,
de Darlene Glória,
o ano das filhas nascendo dentro de um buraco estrelado,
o ano da esperança de sentido,
o ano da inocência,
o ano da ingenuidade, o
ano do leite,
o ano do ventre molhado, o ano dos quartos escuros,
o ano da vida, o ano do sol, o ano do jambo vermelho,
o ano das formigas, o ano das bonecas,
o ano do olho furado, o ano de ficar
louco,
o ano do corno, o ano do babaca, o ano de comer mulher,
o ano de chorar, o ano de aprender a viver de novo,
o ano do "vamos ver", o ano do "que será o amanhã?",
o ano do cachorro, o ano da vaca louca, o ano da cachorra no ar,
o ano da beira do
abismo,
o ano da volta à democracia, o ano do não, o ano do sim,
o ano de Collor, o ano do Itamar, o ano da hiperinflação,
o ano da inflação zero,
o ano dos Mamonas,
o ano dos caruarus, o ano dos carajás,
o ano dos genovevas, o ano dos cachorros quentes explodindo,
o ano dos desacontecimentos, o ano dos cabelos brancos,
o ano do último vôo livre de minha mãe.
1996,
o ano da expectativa,
o ano dos adiamentos, o ano da
esperança,
o ano
que ainda não começou e acaba hoje.
1996,
o ano
que vai começar em 97, feliz ano novo...
O ano de ver
através do vidro o eclipse do sol contra a neblina
pela janela da infância,
o ano de ver as primeiras imagens de
minha mãe,
que era uma Greta Garbo linda
com ombros altos e cabelo de coque "bomba atômica"
e lábios vermelhos, o ano
da coqueluche em que meu pai me levou de avião até 4.000 metros
para curar a tosse entre nuvens,
o ano de temer o quarto onde
meus pais conceberiam
minha irmã, o ano de olhar árvores, bichos
e gente como se eu morasse
fora do mundo (mistério que até hoje dura),
o ano do medo de levar porrada nas ruas da infância, o ano
das pernas das mulheres, colunas altas e distantes
(até hoje),
o ano dos fantasmas do fundo do corredor,
o ano do cachorro
atropelado, o ano dos meninos se comendo de solidão,
o ano de ficar olhando o vento no quintal,
o ano dos formigueiros,
o ano do sarampo e sua lâmpada vermelha,
o ano da catapora, o ano da luz azul do quarto da pneumonia de minha irmã,
o ano da cabeça quebrada, o ano da cara quebrada,
o ano de entender o porquê
dos miseráveis do morro da Mangueira
perto de minha casa,
o ano de ver o primeiro filme de minha vida, o "Ladrão de Bagdá",
e ficar sonhando com as coxas da odalisca no tapete voador,
o ano dos balões no céu, o ano do Mercury "grená" de meu pai
brilhando na luz da rua,
o ano do cuspe, o ano da porrada na esquina,
o ano dos palavrões, o ano da "merda" e da "puta que pariu",
o ano da inveja, o ano da bicicleta, o ano da primeira
namorada que me tratava
como nada,
o ano de temer a Deus e de contar
meus crimes aos padres negros de quem eu beijava a mão,
o ano em que um padre me deu um beijo na boca e eu fugi
com pânico na alma,
o ano do Porcolino, do Pernalonga, o ano do Hortelino Trocaletra,
das mil e uma noites, o ano da mula-sem-cabeça e do mendigo
que dava mijo para a mãe, o ano
da camisa-de-vênus boiando na beira da praia, o ano do negro
comendo a empregada no quarto de passar roupa, o ano da
febre, o ano da violência dos colegas de colégio, o ano dos
padres jesuítas sofrendo de solidão nas clausuras e o ano
das lâmpadas tristes das noites do colégio,
o ano das velas de cera
na igreja, o ano dos paramentos, o ano do coroinha sem fé, o ano
do covarde,
o ano do perigo de ser currado nos fundos do colégio,
o ano do soco na cara do mais forte e do sangue no nariz do valentão,
o ano
da descoberta do orgulho,
o ano do Tarzan,
o ano do Super-Homem, o ano da porra,
o ano da punheta de esguicho que ia até o teto de ladrilho
por causa da primeira mulher de biquíni na praia,
o ano da punheta pela empregada de peitos grandes e que deixava
quase tudo,
o ano da dor nos rins, o ano
de entrar no porão com a menina,
o ano de sentir o gosto de cuspe da menina,
o ano de sentir o cheiro
do entrepernas da menina e ficar
com aquele cheiro até hoje,
o ano da primeira
mulher e, antes da primeira mulher,
o ano da descoberta da literatura
e de Rimbaud e o ano
de ficar escrevendo o dia inteiro
numa febre
de descobrir qualquer coisa que ainda acho que vou achar,
o ano agora sim, da primeira mulher,
uma aeromoça louca da Panair que parecia uma odalisca
caída do céu,
o ano do meu corpo e do corpo da mulher,
o ano das lágrimas quentes, o ano
da solidão,
o ano das pernas cruzadas dos primeiros puteiros
visitados,
o ano do Mangue, da indescritível visão do Mangue que só Segall conheceu,
com as mil mulheres tremendo a língua para fora e
de calça e sutiã nas calçadas, o ano dos bordéis antigos da luz mortiça,
o ano das coxas, dos peitos, o ano cabeludo,
o ano oleoso, o ano das peles, o ano dos vasos de louça,
o ano de nada entender,
o ano da gonorréia, o ano de Thereza e de comer o primeiro amor e de flutuar
de paixão a um palmo das calçadas de Copacabana,
o ano da lua dourada, do sol vermelho, o ano de Ipanema,
de Leila Diniz,
o ano dos gritos
da mulher amada no colchão sujo e esfiapado que era um aparelho do Partido
Comunista numa noite de chuva,
o ano do amor e da revolução,
as duas coisas se confundindo
("serão as bombas ou meu coração batendo?" diria o Bogart em "Casablanca"),
o ano da UNE
pegando fogo,
o ano dos exilados, o ano de Corisco, o ano de Tom e Vinicius,
o ano do "Carcará", o ano do cinema
novo da noite negra do Ato 5, o ano que não terminou,
o ano da boca fechada, o ano da boca no cano de descarga, o ano do nervo
do dente exposto na boca do torturado, o ano das unhas
arrancadas,
o ano dos gritos,
o ano dos guerrilheiros
suicidas, o ano de cortar
a barriga com a faca de bambu, o ano de cortar
os pulsos com gilete
enferrujada,
o ano das cabeças
muito loucas, o ano de viver
perigosamente,
o ano da mescalina e do ácido, o ano das pernas e
dos braços virando cobras na "bad trip" da beira da praia, o ano
das ondas vermelhas e céus tangerina,
o ano de Copacabana
virando gelatina colorida,
o ano de Janis Joplin de porre comigo
num puteiro baiano cantando ponto de candomblé,
o ano da esperança nova, o ano de Nelson Rodrigues,
de Darlene Glória,
o ano das filhas nascendo dentro de um buraco estrelado,
o ano da esperança de sentido,
o ano da inocência,
o ano da ingenuidade, o
ano do leite,
o ano do ventre molhado, o ano dos quartos escuros,
o ano da vida, o ano do sol, o ano do jambo vermelho,
o ano das formigas, o ano das bonecas,
o ano do olho furado, o ano de ficar
louco,
o ano do corno, o ano do babaca, o ano de comer mulher,
o ano de chorar, o ano de aprender a viver de novo,
o ano do "vamos ver", o ano do "que será o amanhã?",
o ano do cachorro, o ano da vaca louca, o ano da cachorra no ar,
o ano da beira do
abismo,
o ano da volta à democracia, o ano do não, o ano do sim,
o ano de Collor, o ano do Itamar, o ano da hiperinflação,
o ano da inflação zero,
o ano dos Mamonas,
o ano dos caruarus, o ano dos carajás,
o ano dos genovevas, o ano dos cachorros quentes explodindo,
o ano dos desacontecimentos, o ano dos cabelos brancos,
o ano do último vôo livre de minha mãe.
1996,
o ano da expectativa,
o ano dos adiamentos, o ano da
esperança,
o ano
que ainda não começou e acaba hoje.
1996,
o ano
que vai começar em 97, feliz ano novo...
Canção para a amiga dormindo
Dorme, amiga, dorme
Teu sono de rosa
Uma paz imensa
Desceu nesta hora.
Cerra bem as pétalas
Do teu corpo imóvel
E pede ao silêncio
Que não vá embora.
Dorme, amiga, o sono
Teu de menininha
Minha vida é a tua
Tua morte é a minha.
Dorme e me procura
Na ausente paisagem...
Nela a minha imagem
Restará mais pura.
Dorme, minha amada
Teu sono de estrela
Nossa morte, nada
Poderá detê-la.
Mas dorme, que assim
Dormirás um dia
De um sono sem fim...
Na minha poesia.
Teu sono de rosa
Uma paz imensa
Desceu nesta hora.
Cerra bem as pétalas
Do teu corpo imóvel
E pede ao silêncio
Que não vá embora.
Dorme, amiga, o sono
Teu de menininha
Minha vida é a tua
Tua morte é a minha.
Dorme e me procura
Na ausente paisagem...
Nela a minha imagem
Restará mais pura.
Dorme, minha amada
Teu sono de estrela
Nossa morte, nada
Poderá detê-la.
Mas dorme, que assim
Dormirás um dia
De um sono sem fim...
Na minha poesia.
02 dezembro 2008
Canções... De que são feitos os dias?
De que são feitos os dias?
– De pequenos desejos,
vagarosas saudades,
silenciosas lembranças.
– De pequenos desejos,
vagarosas saudades,
silenciosas lembranças.
Entre mágoas sombrias,
momentâneos lampejos:
vagas felicidades,
inatuais esperanças.
De loucuras, de crimes,
de pecados, de glórias,
– do medo que encadeia
todas essas mudanças.
Dentro deles vivemos,
dentro deles choramos,
em duros desenlaces
e em sinistras alianças...
Memória
Minha família anda longe,
com trajos de circunstância:
uns converteram-se em flores,
outros em pedra, água, líquen;
alguns, de tanta distância,
não têm vestígios que indiquem
uma certa orientação.
com trajos de circunstância:
uns converteram-se em flores,
outros em pedra, água, líquen;
alguns, de tanta distância,
não têm vestígios que indiquem
uma certa orientação.
Minha família anda longe,
– na Terra, na Lua, em Marte –
uns dançando pelos ares,
outros perdidos no chão.
Tão longe, a minha família!
Tão dividida em pedaços!
Um pedaço em cada parte...
Pelas esquinas do tempo,
brincam meus irmãos antigos:
uns anjos, outros palhaços...
Seus vultos de labareda
rompem-se como retratos
feitos em papel de seda.
Vejo lábios, vejo braços,
– por um momento persigo-os:
de repente, os mais exatos
perdem a sua exatidão.
Se falo, nada responde.
Depois, tudo vira vento,
e nem o meu pensamento
pode compreender por onde
passaram nem onde estão.
Minha família anda longe.
Mas eu sei conhecê-la:
um cílio dentro do oceano,
um pulso sobre uma estrela,
uma ruga num caminho
caída como pulseira,
um joelho em cima da espuma,
um movimento sozinho
aparecido na poeira...
Mas tudo vai sem nenhuma
noção de destino humano,
de humana recordação.
Minha família anda longe.
Reflete-se em minha vida,
mas não acontece nada:
por mais que eu esteja lembrada,
ela se faz de esquecida:
não há comunicação!
Uns são nuvem, outros, lesma...
Vejo as asas, sinto os passos
de meus anjos e palhaços,
numa ambígua trajetória
de que sou o espelho e a história.
Murmuro para mim mesma:
"É tudo imaginação!"
Mas sei que tudo é memória...
Canções...Se não houvesse montanhas!
Se não houvesse montanhas!
Se não houvesse paredes!
Se o sonho tecesse malhas
e os braços colhessem redes!
Se a noite e o dia passassem
como nuvens, sem cadeias,
e os instantes da memória
fossem vento nas areias!
Se não houvesse saudade,
solidão nem despedida...
Se a vida inteira não fosse,
além de breve, perdida!
Eu tinha um cavalo de asas,
que morreu sem ser pascigo.
E em labirintos se movem
os fantasmas que persigo.
01 dezembro 2008
Casa de vó
... a casa dos avós dela foi uma Disney. Bingo. A casa da minha avó também foi. Tinha uma espécie de morro nos fundos da casa, todo gramado, que dava para um outro nível do quintal. Bem no centro desse morro (deve ser um morrinho, mas a memória de uma criança não respeita proporções exatas) havia uma pequena escada de pedras, porém a gente subia sempre pela grama, claro. Éramos treze primos fazendo trekking naquele latifúndio.
Lá em cima havia a churrasqueira e algumas árvores, mas o mais tentador era um quartinho misterioso, um depósito meio sem função, nosso QG infantil, que às vezes servia de quarto de bonecas, em outras, de redação de jornal – eu tinha o topete de escrever as aventuras da família. Se os fundos da casa eram mágicos, a casa própriamente dita era nossa Neverland. Tinha lareira, tinha adega, tinha sótão. Era como estar dentro de um cenário de filme, e havia também a Lúcia, uma empregada alemã que parecia uma agente da gestapo, nunca vi loira tão séria e retesada, mas preparava um cachorro-quente que jamais os Estados Unidos viram igual. Sério: a casa da avó da gente desbanca qualquer Epcot Center.
Hoje essas casas antigas estão sendo derrubadas para dar lugar a prédios imenos, mas mesmo dentro de um apartamento é possível existir uma "casa de avó", porque casa é só uma maneira de chamar, o que vale é o espírito do lugar, e havendo uma avó que entenda seu papel de proprietária não de um imóvel, mas de um segredo, estará garantida a magia. Casa de vó é onde a lasanha e o pastelão ganham um sabor diferente, onde os ponteiros do relógio correm mais lentos, onde os ruídos são mais audíveis, onde o teto parece mais alto, onde a luz entra mais discreta entre as persianas, onde os armários escondem roupas antigas e fundos falsos, e só isso é falso, tudo mais é verdadeiro. Casa de vó é onde os brinquedos não surgem prontos, são inventados na hora. É onde a gente encontra os restos da infância dos nossos pais. E fotos de bisavós, de tios... epa, este sujeito aqui, quem é? Acalme-se, é o namorado novo de sua avó, você achou que ela ficaria viúva para sempre? Ela é sua avó, não um matusalém.
Se as avós não são mais as mesmas de antigamente, em suas casas ainda sobrevive um encanto que não muda. Serão sempre lugares secretos onde encontraremos um instrumento sem uso, alguns recortes de jornal, anéis coloridos, um bicho meio pulguento, uma máquina de escrever ou de costura, algo que seja estranho aos olhos de uma criança – e espaço, muito espaço para uma imaginação que não é estimulada nem na Disney nem na rotina maluca de hoje, só mesmo lá dentro, no endereço do nosso afeto mais profundo, onde tudo é permitido.
(trecho de texto do livro 'Doidas e Santas')
29 novembro 2008
Mar português
Ó mar salgado, quanto do teu sal
São lágrimas de Portugal!
Por te cruzarmos, quantas mães choraram,
Quantos filhos em vão rezaram!
Quantas noivas ficaram por casar
Para que fosses nosso, ó mar!
São lágrimas de Portugal!
Por te cruzarmos, quantas mães choraram,
Quantos filhos em vão rezaram!
Quantas noivas ficaram por casar
Para que fosses nosso, ó mar!
Valeu a pena? Tudo vale a pena
Se a alma não é pequena.
Quem quer passar além do Bojador
Tem que passar além da dor.
Deus ao mar o perigo e o abismo deu,
Mas nele é que espelhou o céu.
Imagem
Tão brando é o movimento
das estrelas, da lua,
das nuvens e do vento,
que se desenha a tua
face no firmamento.
das estrelas, da lua,
das nuvens e do vento,
que se desenha a tua
face no firmamento.
Desenha-se tão pura
como nunca a tiveste,
nem nenhuma criatura.
Pois é sombra celeste
da terrena aventura.
Como um cristal se aquieta
minha vida no sono,
venturosa e completa.
E teu rosto aprisiono
em grave luz secreta.
Teu silêncio em meu peito
de tal maneira existe,
reconhecido e aceito,
que chega a ficar triste
de vê-lo tão perfeito.
28 novembro 2008
Recomeçar
Não importa onde você parou...
Em que momento da vida você cansou...
O que importa é que sempre é possível e necessário "Recomeçar".
Recomeçar é dar uma nova chance a si mesmo...
É renovar as esperanças na vida e o mais importante...
Acreditar em você de novo.
Sofreu muito nesse período?
Foi aprendizado...
Chorou muito?
Foi limpeza da alma...
Ficou com raiva das pessoas?
Foi para perdoá-las um dia...
Sentiu-se só por diversas vezes?
É porque fechaste a porta até para os anjos...
Acreditou que tudo estava perdido?
Era o início da tua melhora...
Pois é... Agora é hora de reiniciar... De pensar na luz...
De encontrar prazer nas coisas simples de novo.
Que tal
Um corte de cabelo arrojado... diferente?
Um novo curso... ou aquele velho desejo de aprender a
pintar... desenhar... dominar o computador... ou qualquer outra coisa...
Olha quanto desafio...
Quanta coisa nova nesse mundão de meu Deus te esperando.
Ta se sentindo sozinho?
Besteira... tem tanta gente que você afastou com o
seu "período de isolamento"...
Tem tanta gente esperando apenas um sorriso teu
para "chegar" perto de você.
Quando nos trancamos na tristeza...
Nem nós mesmos nos suportamos...
Ficamos horríveis... o mal humor vai comendo nosso fígado...
Até a boca fica amarga.
Recomeçar...
Hoje é um bom dia para começar novos desafios.
Em que momento da vida você cansou...
O que importa é que sempre é possível e necessário "Recomeçar".
Recomeçar é dar uma nova chance a si mesmo...
É renovar as esperanças na vida e o mais importante...
Acreditar em você de novo.
Sofreu muito nesse período?
Foi aprendizado...
Chorou muito?
Foi limpeza da alma...
Ficou com raiva das pessoas?
Foi para perdoá-las um dia...
Sentiu-se só por diversas vezes?
É porque fechaste a porta até para os anjos...
Acreditou que tudo estava perdido?
Era o início da tua melhora...
Pois é... Agora é hora de reiniciar... De pensar na luz...
De encontrar prazer nas coisas simples de novo.
Que tal
Um corte de cabelo arrojado... diferente?
Um novo curso... ou aquele velho desejo de aprender a
pintar... desenhar... dominar o computador... ou qualquer outra coisa...
Olha quanto desafio...
Quanta coisa nova nesse mundão de meu Deus te esperando.
Ta se sentindo sozinho?
Besteira... tem tanta gente que você afastou com o
seu "período de isolamento"...
Tem tanta gente esperando apenas um sorriso teu
para "chegar" perto de você.
Quando nos trancamos na tristeza...
Nem nós mesmos nos suportamos...
Ficamos horríveis... o mal humor vai comendo nosso fígado...
Até a boca fica amarga.
Recomeçar...
Hoje é um bom dia para começar novos desafios.
Se eu fosse apenas...
Se eu fosse apenas uma rosa,
com que prazer me desfolhava,
já que a vida é tão dolorosa
e não te sei dizer mais nada!
com que prazer me desfolhava,
já que a vida é tão dolorosa
e não te sei dizer mais nada!
Se eu fosse apenas água ou vento,
com que prazer me desfaria,
como em teu próprio pensamento
vais desfazendo a minha vida!
Perdoa-me causar-te a mágoa
desta humana, amarga demora!
– de ser menos breve do que a água,
mais durável que o vento e a rosa...
(Melhores Poemas – 12ª. edição)
Canção do dia de sempre
Tão bom viver dia a dia...
A vida assim, jamais cansa...
Viver tão só de momentos
Como essas nuvens do céu...
E só ganhar, toda a vida,
Inexperiência... esperança...
E a rosa louca dos ventos
Presa à copa do chapéu.
Nunca dês um nome a um rio:
Sempre é outro rio a passar.
Nada jamais continua,
Tudo vai recomeçar!
E sem nenhuma lembrança
Das outras vezes perdidas,
Atiro a rosa do sonho
Nas tuas mãos distraídas...
A vida assim, jamais cansa...
Viver tão só de momentos
Como essas nuvens do céu...
E só ganhar, toda a vida,
Inexperiência... esperança...
E a rosa louca dos ventos
Presa à copa do chapéu.
Nunca dês um nome a um rio:
Sempre é outro rio a passar.
Nada jamais continua,
Tudo vai recomeçar!
E sem nenhuma lembrança
Das outras vezes perdidas,
Atiro a rosa do sonho
Nas tuas mãos distraídas...
26 novembro 2008
pensamentos...
Amor
Amo como o amor ama
Não sei razão para amar-te mais que amar-te.
Que queres que te diga mais que te amo,
Se o que quero dizer-te é que te amo?
Sonho
O sonho é ver as formas invisíveis
Da distância imprecisa, e, com sensíveis
Movimentos da esperança e da vontade,
Buscar na linha fria do horizonte
A árvore, a praia, a flor, a ave, a fonte –
Os beijos merecidos da Verdade.
Saudade
O que me dói não é
O que há no coração
Mas essas coisas lindas
Que nunca existirão...
Amo como o amor ama
Não sei razão para amar-te mais que amar-te.
Que queres que te diga mais que te amo,
Se o que quero dizer-te é que te amo?
Sonho
O sonho é ver as formas invisíveis
Da distância imprecisa, e, com sensíveis
Movimentos da esperança e da vontade,
Buscar na linha fria do horizonte
A árvore, a praia, a flor, a ave, a fonte –
Os beijos merecidos da Verdade.
Saudade
O que me dói não é
O que há no coração
Mas essas coisas lindas
Que nunca existirão...
25 novembro 2008
Quero viver em liberdade
Abram-me todas as janelas!
Arranquem-me todas as portas!
Puxem a casa toda para cima de mim!
Quero viver em liberdade no ar,
Quero ter gestos fora do meu corpo,
Quero correr como a chuva pelas paredes abaixo,
Quero ser pisado nas estradas largas como as pedras,
Quero ir, como as coisas pesadas, para o fundo dos mares,
Com uma voluptuosidade que já está longe de mim!
Não quero fechos nas portas!
Não quero fechaduras nos cofres!
Quero intercalar-me, imiscuir-me, ser levado,
Quero que me façam pertença doída de qualquer outro,
Que me despejem dos caixotes,
Que me atirem aos mares,
Que me vão buscar a casa com fins obscenos,
Só para não estar sempre aqui sentado e quieto,
Só para não estar simplesmente escrevendo estes versos!
(de 'Saudação a Walt Whitman – Álvaro de Campos)
Segue o teu destino
Segue o teu destino,
Rega as tuas plantas,
Ama as tuas rosas.
O resto é a sombra
De árvores alheias.
Rega as tuas plantas,
Ama as tuas rosas.
O resto é a sombra
De árvores alheias.
A realidade
Sempre é mais ou menos
Do que nós queremos.
Só nós somos sempre
Iguais a nós próprios.
Suave é viver só.
Grande e nobre é sempre
Viver simplesmente.
(de 'Odes de Ricardo Reis)
Liberdade
Ai que prazer
Não cumprir um dever.
Ter um livro para ler
E não o fazer!
Ler é maçada,
Estudar é nada.
O sol doira sem literatura.
O rio corre bem ou mal,
Sem edição original.
E a brisa, essa, de tão naturalmente matinal
Como tem tempo, não tem pressa...
(de 'Cancioneiro')
Não cumprir um dever.
Ter um livro para ler
E não o fazer!
Ler é maçada,
Estudar é nada.
O sol doira sem literatura.
O rio corre bem ou mal,
Sem edição original.
E a brisa, essa, de tão naturalmente matinal
Como tem tempo, não tem pressa...
(de 'Cancioneiro')
Eros e Psique
Conta a lenda que dormia
Uma Princesa encantada
A quem só despertaria
Um Infante, que viria
De além do muro da estrada.
Ele tinha que, tentado,
Vencer o mal e o bem,
Antes que, já libertado,
Deixasse o caminho errado
Por o que à Princesa vem.
A Princesa Adormecida,
Se espera, dormindo espera,
Sonha em morte a sua vida,
E orna-lhe a fronte esquecida,
Verde, uma grinalda de hera.
Longe o Infante, esforçado,
Sem saber que intuito tem,
Rompe o caminho fadado,
Ele dela é ignorado,
Ela para ele é ninguém.
Uma Princesa encantada
A quem só despertaria
Um Infante, que viria
De além do muro da estrada.
Ele tinha que, tentado,
Vencer o mal e o bem,
Antes que, já libertado,
Deixasse o caminho errado
Por o que à Princesa vem.
A Princesa Adormecida,
Se espera, dormindo espera,
Sonha em morte a sua vida,
E orna-lhe a fronte esquecida,
Verde, uma grinalda de hera.
Longe o Infante, esforçado,
Sem saber que intuito tem,
Rompe o caminho fadado,
Ele dela é ignorado,
Ela para ele é ninguém.
Mas cada um cumpre o Destino
Ela dormindo encantada,
Ele buscando-a sem tino
Pelo processo divino
Que faz existir a estrada.
E, se bem que seja obscuro
Tudo pela estrada fora,
E falso, ele vem seguro,
E vencendo estrada e muro,
Chega onde em sono ela mora,
E, inda tonto do que houvera,
À cabeça, em maresia,
Ergue a mão, e encontra hera,
E vê que ele mesmo era
A Princesa que dormia.
(de 'Cancioneiro')
Ela dormindo encantada,
Ele buscando-a sem tino
Pelo processo divino
Que faz existir a estrada.
E, se bem que seja obscuro
Tudo pela estrada fora,
E falso, ele vem seguro,
E vencendo estrada e muro,
Chega onde em sono ela mora,
E, inda tonto do que houvera,
À cabeça, em maresia,
Ergue a mão, e encontra hera,
E vê que ele mesmo era
A Princesa que dormia.
(de 'Cancioneiro')
Eu amo
Eu amo tudo o que foi,
Tudo o que já não é,
A dor que já me não dói,
A antiga errônea fé,
O ontem que dor deixou,
O que deixou alegria
Só porque foi, e voou
E hoje é já outro dia.
(de 'Poesias Inéditas')
Tudo o que já não é,
A dor que já me não dói,
A antiga errônea fé,
O ontem que dor deixou,
O que deixou alegria
Só porque foi, e voou
E hoje é já outro dia.
(de 'Poesias Inéditas')
Autopsicografia
O poeta é um fingidor.
Finge tão completamente
Que chega a fingir que é dor
A dor que deveras sente.
Finge tão completamente
Que chega a fingir que é dor
A dor que deveras sente.
E os que lêem o que escreve,
Na dor lida sentem bem,
Não as duas que ele teve.
Mas só a que eles não têm.
E assim nas calhas de roda
Gira, a entreter a razão,
Esse comboio de corda
Que se chama coração.
24 novembro 2008
Canção do dia de sempre
Hoje queria um dia feito de horas de oferecer. Porque há dias diferentes. Dias especiais em que queremos encomendar o sol, a luz do horizonte, a doçura do ar. Tudo feito por medida, ao jeito de quem o irá desfrutar. Queria oferecer um dia hoje. Um dia perfeito. Embrulhado em momentos guardados. Talvez com uma fita cor de certeza calma, e um laço pleno de voltas cúmplices. Só um dia. Dado assim, porque hoje é dia de dar só um pouquinho mais.
(*)não tenho certeza se é de Mário Quintana
(*)não tenho certeza se é de Mário Quintana
O canteiro está molhado
Vivi e ainda vivo
Já perdoei erros quase imperdoáveis,
tentei substituir pessoas insubstituíveis
e esquecer pessoas inesquecíveis.
Já fiz coisas por impulso,
já me decepcionei com pessoas quando
tentei substituir pessoas insubstituíveis
e esquecer pessoas inesquecíveis.
Já fiz coisas por impulso,
já me decepcionei com pessoas quando
nunca pensei me decepcionar,
mas também decepcionei alguém.
Já abracei pra proteger,
já dei risada quando não podia,
fiz amigos eternos,
amei e fui amado,
mas também já fui rejeitado,
fui amado e não amei.
Já gritei e pulei de tanta felicidade,
já vivi de amor e fiz juras eternas,
“quebrei a cara muitas vezes”!
Já chorei ouvindo música e vendo fotos,
já liguei só para escutar uma voz,
me apaixonei por um sorriso,
já pensei que fosse morrer de tanta saudade
e tive medo de perder alguém especial
Já abracei pra proteger,
já dei risada quando não podia,
fiz amigos eternos,
amei e fui amado,
mas também já fui rejeitado,
fui amado e não amei.
Já gritei e pulei de tanta felicidade,
já vivi de amor e fiz juras eternas,
“quebrei a cara muitas vezes”!
Já chorei ouvindo música e vendo fotos,
já liguei só para escutar uma voz,
me apaixonei por um sorriso,
já pensei que fosse morrer de tanta saudade
e tive medo de perder alguém especial
(e acabei perdendo).
Mas vivi, e ainda vivo!
Não passo pela vida…
E você também não deveria passar!
Viva!
Bom mesmo é ir à luta com determinação,
abraçar a vida com paixão,
perder com classe
e vencer com ousadia,
porque o mundo pertence a quem se atreve
e a vida é “muito” pra ser insignificante.
(dizem que é de Charles Chaplin)
Mas vivi, e ainda vivo!
Não passo pela vida…
E você também não deveria passar!
Viva!
Bom mesmo é ir à luta com determinação,
abraçar a vida com paixão,
perder com classe
e vencer com ousadia,
porque o mundo pertence a quem se atreve
e a vida é “muito” pra ser insignificante.
(dizem que é de Charles Chaplin)
23 novembro 2008
Contemplação
Não acuso. Nem perdôo.
Nada sei. De nada.
Contemplo.
Nada sei. De nada.
Contemplo.
Quando os homens apareceram,
eu não estava presente.
Eu não estava presente,
quando a terra se desprendeu do sol.
Eu não estava presente,
quando o sol apareceu no céu.
E antes de haver o céu,
Eu não estava presente.
Como hei de acusar ou perdoar?
Nada sei.
Contemplo.
Parece que às vezes me falam.
Mas também não tenho certeza.
Quem me deseja ouvir, nestas paragens
onde todos somos estrangeiros?
Também não sei com segurança, muitas vezes,
da oferta que vai comigo, e em que resulta,
pois o mundo é mágico!
Tocou-se o Lírio, e apareceu um Cavalo Selvagem.
E um anel no dedo pode fazer desabar da lua um temporal.
Já vês que me enterneço e me assusto,
entre as secretas maravilhas.
E não posso medir todos os ângulos do meu gesto.
Noites e noites, estudei devotamente
nossos mitos, e sua geometria.
Por mais que me procure, antes de tudo ser feito,
eu era amor. Só isso encontro.
Caminho, navego, vôo,
– sempre amor.
Rio desviado, seta exilada, onda soprada ao contrário,
– mas sempre o mesmo resultado: direção e êxtase.
À beira dos teus olhos,
por acaso detendo-me,
que acontecimentos serão produzidos
em mim e em ti?
Não há resposta.
Sabem-se os nascimentos
quando já forem sofridos.
Tão pouco somos, – e tanto causamos,
com tão longos ecos!
Nossas viagens têm cargas ocultas, de desconhecimentos vínculos.
Entre o desejo de itinerário, uma lei que nos leva
age invisível e abriga
mais que o itinerário e o desejo.
Que te direi, se me interrogas?
As nuvens falam?
Não. As nuvens tocam-se, passam, desmancham-se.
Às vezes, pensa-se que demoram, parece que estão paradas...
Confundiram-se.
E até se julga que dentro delas andam estrelas e planetas.
Oh, aparência... Pode talvez andar um tonto pássaro perdido.
Voz sem pouso, no tempo surdo.
Não acuso nem perdôo.
Que faremos, errantes ente as invenções dos deuses?
Eu não estava presente, quando formaram
a voz tão frágil dos pássaros.
Quando as nuvens começaram a existir,
qual de nós estava presente?
Receita de Ano Novo-Introdução II
João Brandão, que às vezes é modelo de sabedoria relativa (a absoluta consiste em deixar a fantasia agir), contou-me que todo ano recebe um cartão nesses termos: "CALMA, RAPAZ"
"E quem é que te manda este cartão?", perguntei-lhe. "Eu mesmo. Entro na fila, compro o selo, boto na caixa. Porque se eu não fizer isto, ninguém o fará por mim. Ao receber a mensagem, considero-a mandada por amigo vigilante e discreto, e faço fé na recomendação, que eu não saberia me impor, diante do espelho." Pausa e continuação: "Tem me ajudado muito. Você já reparou que ninguém deseja calma a ninguém, na época de desejar coisas? Deseja-se prosperidade, paz, amor, isso e aquilo ('tudo de bom pra você'), mas todos se esquecem de desejar calma para saborear esse tudo de bom, se por milagre ele acontecer, e principalmente o nada de bom, que às vezes acontece em lugar dele. Como você está vendo, não chega a ser um voto que eu dirijo a mim próprio, pelo correio. É uma vacina."
Vacinemo-nos, amigos.
Beira-mar
Sou moradora das areias,
de altas espumas: os navios
passam pelas minhas janelas
como o sangue nas minhas veias,
como os peixinhos nos rios...
de altas espumas: os navios
passam pelas minhas janelas
como o sangue nas minhas veias,
como os peixinhos nos rios...
Não têm velas e têm velas;
e o mar tem e não tem sereias;
e eu navego e estou parada,
vejo mundos e estou cega,
porque isto é mal de família,
ser de areia, de água, de ilha...
E até sem barco navega
quem para o mar foi fadada.
Deus te proteja, Cecília,
que tudo é mar — e mais nada.
Explicação
O pensamento é triste; o amor, insuficiente;
e eu quero sempre mais do que vem nos milagres.
Deixo que a terra me sustente:
guardo o resto para mais tarde.
e eu quero sempre mais do que vem nos milagres.
Deixo que a terra me sustente:
guardo o resto para mais tarde.
Deus não fala comigo — e eu sei que me conhece.
A antigos ventos dei as lágrimas que tinha.
A estrela sobe, a estrela desce...
— espero a minha própria vinda.
(Navego pela memória
sem margens.
Alguém conta a minha história
e alguém mata os personagens.)
22 novembro 2008
A melhor mãe do mundo
Você é. Sua vizinha também. A Maitê. A Malu. A Claudia. Eu, naturalmente. Somos as melhores mães do mundo. Aliás, essa é a única categoria em que não há segundo lugar, todas as mães são campeãs, somos bilhões de "as melhores" espalhadas pelo planeta. Ao menos, as melhores para nossos filhos, que nunca tiveram outra.
Não é uma sorte ser considerada a melhor, mesmo se atrapalhando tanto? Mãe erra, crianças. E improvisa. Mãe não vem com manual de instruções: reage apenas aos mandamentos do coração, o que tem um inestimável valor, mas não substitui um bom planejamento estratégico. E planejamento é tudo que uma mãe não consegue seguir, por mais que livros, revistas e psicólogos tentem nos orientar.
Um dia um exame confirma que você está grávida e a felicidade é imensa e o pânico também. Uau, vou ser responsável pela criação de um ser humano! (Papai também vai, mas em agosto a gente fala dele.) A partir daí, nunca mais a vida como era antes. Nunca mais a liberdade de sair pelo mundo sem dar explicações a ninguém. Nunca mais pensar em si mesma em primeiro lugar. Só depois que eles fizerem 18 anos, e isso demora. E`as vezes nem adianta.
O primeiro passo é se acostumar a ser uma pessoa que já não pode se guiar apenas pelos próprios desejos. Você continuará sendo uma mulher ativa, autêntica, batalhadora, independente, estupenda, mas cem por cento livre, esqueça. De marido você escapa, dos próprios pais você escapa, mas da responsabilidade de ser mãe, jamais. E nem você quer. Ou será que gostaria?
De vez em quando, sim, gostaríamos de não ter esse compromisso com vidas alheias, de não precisar monitorar os passos dos filhotes, de não ter que se preocupar com a violência que eles terão que enfrentar, de não sofrer pelas dores-de-cotovelo deles, de não temer por suas fragilidades, de não ficar acordadas enquanto eles não chegam e de não perder a paciência quando eles fazem tudo ao contrário do que sonhamos.
Gostaríamos que eles não falassem mal de nós nos consultórios dos psiquiátras, que eles não nos culpassem por suas inseguranças, que não fôssemos a razão de seus traumas, que esquecessem os momentos em que fomos severas demais e que nos perdoassem nas vezes em fomos severas de menos. Há sempre um "demais" e um "de menos" nos perseguindo. Poucas vezes acertamos na intensidade dos nossos conselhos e críticas.
Mas é assim que somos: `as vezes exageradamente enérgicas em momentos bobos,`as vezes um tantinho condescendentes na hora de impor limites. A gente implica com alguns amigos deles e adora outros e não consegue explicar por quê, mas nossa intuição diz que estamos certas. Mas de que adianta estarmos certas se eles só se darão conta disso quando tiverem os próprios filhos?
Erramos em forçá-los a gostar de aipo, erramos em agasalhá-los tanto para as excursões do colégio, erramos em deixar que passem a tarde no computador em véspera de prova, erramos em não confiar quando eles dizem que sabem a matéria, erramos em nos escabelar porque eles estão com os olhos vermelhos (pode ser resfriado!), erramos quando não os olhamos nos olhos, erramos quando fazemos drama por nada, erramos um pouquinho todo dia por amor e por cansaço.
O que nos torna as melhores mães do mundo é que nossos erros serão sempre acertos, desde que estejamos por perto. (14 de maio de 2008)
[texto do livro 'Doidas e Santas']
18 novembro 2008
O velho do espelho
Por acaso, surpreendo-me no espelho: quem é esse
Que me olha e é tão mais velho do que eu?
Porém, seu rosto... é cada vez menos estranho...
Meu Deus, meu Deus... Parece
Meu velho pai — que já morreu!
Como pude ficarmos assim?
Nosso olhar — duro interroga:
"O que fizeste de mim?!"
Eu, Pai?! Tu é que me invadiste,
Lentamente, ruga a ruga... Que importa?! Eu sou, ainda
Aquele mesmo menino teimoso de sempre
E os teus planos enfim lá se foram por terra.
Mais sei que vi, um dia — a longa, a inútil guerra! —
Vi sorrir, nesses cansados olhos, um orgulho triste...
Que me olha e é tão mais velho do que eu?
Porém, seu rosto... é cada vez menos estranho...
Meu Deus, meu Deus... Parece
Meu velho pai — que já morreu!
Como pude ficarmos assim?
Nosso olhar — duro interroga:
"O que fizeste de mim?!"
Eu, Pai?! Tu é que me invadiste,
Lentamente, ruga a ruga... Que importa?! Eu sou, ainda
Aquele mesmo menino teimoso de sempre
E os teus planos enfim lá se foram por terra.
Mais sei que vi, um dia — a longa, a inútil guerra! —
Vi sorrir, nesses cansados olhos, um orgulho triste...
pensamentos soltos...
Do estilo
Fere de leve a frase...E esquece...Nada
Convém que se repita...
Só em linguagem amorosa agrada
A mesma coisa cem mil vezes dita.
Das utopias
Se as coisas são inatingíveis... ora!
Não é motivo para não querê-las...
Que triste os caminhos, se não fora
A mágica presença das estrelas!
Da sabedoria dos livros
Não penses compreender a vida nos autores.
Nenhum disto é capaz.
Mas a medida que vivendo fores,
Melhor os compreenderás.
Apelo
Vinícius de Moraes
Vê a vida como chora,
vê que triste esta canção
Não, eu te peço, não te ausentes
Pois a dor que agora sentes,
só se esquece no perdão
Ah, minha amada me perdoa
Pois embora ainda te doa a
tristeza que causei
Eu te suplico não destruas tantas
coisas que são tuas
Por um mal que eu já paguei
Ah, minha amada, se soubesses
Da tristeza que há nas preces
Que a chorar te faço eu
Se tu soubesses num momento
todo arrependimento
Como tudo entristeceu
Se tu soubesses como é triste
Perceber que tu partiste
Sem sequer dizer adeus
Ah, meu amor tu voltarias
E de novo cairias
A chorar nos braços meus
só falado
De repente do riso fez-se o pranto,
silencioso e branco como a bruma
E das bocas unidas fez-se a espuma
E das mãos espalmadas fez-se o espanto.
De repente da calma fez-se o vento,
Que dos olhos desfez a última chama,
E da paixão fez-se o pressentimento,
E do momento imóvel fez-se o drama.
De repente não mais que de repente,
Fez-se de triste o que se fez amante
E de sozinho que se fez contente.
Fez-se do amigo próximo, o distante,
Fez-se da vida uma aventura errante,
De repente não mais que de repente.
Ah, meu amor tu voltarias
E de novo cairias
A chorar nos braços meus.
De repente do riso fez-se o pranto,
silencioso e branco como a bruma
E das bocas unidas fez-se a espuma
E das mãos espalmadas fez-se o espanto.
De repente da calma fez-se o vento,
Que dos olhos desfez a última chama,
E da paixão fez-se o pressentimento,
E do momento imóvel fez-se o drama.
De repente não mais que de repente,
Fez-se de triste o que se fez amante
E de sozinho que se fez contente.
Fez-se do amigo próximo, o distante,
Fez-se da vida uma aventura errante,
De repente não mais que de repente.
Ah, meu amor tu voltarias
E de novo cairias
A chorar nos braços meus.
Você não sabe
Roberto Carlos
Você não sabe quanta coisa eu faria
Além do que já fiz
Você não sabe até onde eu chegaria
Pra te fazer feliz
Eu chegaria
Onde só chegam os pensamentos
Encontraria uma palavra que não existe
Pra te dizer nesse meu verso quase triste
Como é grande o meu amor
Você não sabe que os anseios do seu coração
São muito mais pra mim
Do que as razões que eu tenha
Pra dizer que não
E eu sempre digo sim
E ainda que a realidade me limite
A fantasia dos meus sonhos me permite
Que eu faça mais do que as loucuras
Que já fiz pra te fazer feliz
Você só sabe
Que eu te amo tanto
Mas na verdade
Meu amor não sabe o quanto
E se soubesse iria compreender
Razões que só quem ama assim pode entender
Você não sabe quanta coisa eu faria
Por um sorriso seu
Você não sabe
Até onde chegaria
Amor igual ao meu
Mas se preciso for
Eu faço muito mais
Mesmo que eu sofra
Ainda assim eu sou capaz
De muito mais
Do que as loucuras que já fiz
Pra te fazer feliz
Você não sabe quanta coisa eu faria
Além do que já fiz
Você não sabe até onde eu chegaria
Pra te fazer feliz
Eu chegaria
Onde só chegam os pensamentos
Encontraria uma palavra que não existe
Pra te dizer nesse meu verso quase triste
Como é grande o meu amor
Você não sabe que os anseios do seu coração
São muito mais pra mim
Do que as razões que eu tenha
Pra dizer que não
E eu sempre digo sim
E ainda que a realidade me limite
A fantasia dos meus sonhos me permite
Que eu faça mais do que as loucuras
Que já fiz pra te fazer feliz
Você só sabe
Que eu te amo tanto
Mas na verdade
Meu amor não sabe o quanto
E se soubesse iria compreender
Razões que só quem ama assim pode entender
Você não sabe quanta coisa eu faria
Por um sorriso seu
Você não sabe
Até onde chegaria
Amor igual ao meu
Mas se preciso for
Eu faço muito mais
Mesmo que eu sofra
Ainda assim eu sou capaz
De muito mais
Do que as loucuras que já fiz
Pra te fazer feliz
O disfarce
Cansado da sua beleza Angélica, o Anjo vivia ensaiando caretas diante do espelho. Até que conseguiu a obra prima do horror. Veio, assim, dar uma volta pela Terra. E Lili, a primeira meninazinha que o avistou, põe-se a gritar da porta para dentro da casa: "Mamãe! Mamãe! Vem ver como o Frankenstein está bonito hoje!".
Canção de garoa
Em cima do meu telhado,
Pirulin lulin lulin,
Um anjo todo molhado,
soluça no seu flautim.
Pirulin lulin lulin,
Um anjo todo molhado,
soluça no seu flautim.
O relógio vai bater:
As molas rangem sem fim.
O retrato na parede
Fica olhando para mim.
E chove sem saber por quê...
E tudo foi sempre assim!
Parece que vou sofrer:
Pirulin lulin lulin...
17 novembro 2008
Aprendendo a viver
Thoreau era um filósofo americano que, entre coisas mais difíceis de se assimilar assim de repente, numa leitura de jornal, escreveu muitas coisas que talvez possam nos ajudar a viver de um modo mais inteligente, mais eficaz, mais bonito, menos angustiado.
Thoreau, por exemplo, desolava-se vendo seus vizinhos só pouparem e economizarem para um futuro longínquo. Que se pensasse um pouco no futuro, estava certo. Mas “melhore o momento presente”, exclamava. E acrescentava: “Estamos vivos agora”. E comentava com desgosto: “Eles ficam juntando tesouros que as traças e a ferrugem irão roer e os ladrões roubar”.
A mensagem é clara: não sacrifique o dia de hoje pelo de amanhã. Se você se sente infeliz agora, tome alguma providência agora, pois só na seqüência dos agoras é que você existe.
Cada um de nós, aliás, fazendo um exame de consciência, lembra-se pelo menos de vários agoras que foram perdidos e que não voltarão mais. Há momentos na vida que o arrependimento de não ter tido ou não ter sido ou não ter resolvido ou não ter aceito, há momentos na vida em que o arrependimento é profundo como uma dor profunda.
Ele queria que fizéssemos agora o que queremos fazer. A vida inteira Thoreau pregou e praticou a necessidadede de fazer agora o que é mais importante para cada um de nós.
Por exemplo: para os jovens que queriam tornar-se escritores mas que contemporizavam – ou esperando uma inspiração ou se dizendo que não tinham tempo por causa de estudos ou trabalho – ele mandava ir agora para o quarto e começar a escrever.
Impacientava-se também com os que gastam tanto tempo estudando a vida que nunca chegam a viver. “É só quando esquecemos todos os nossos conhecimentos que começamos a saber”.
E dizia esta coisa forte que nos enche de coragem:“Por que não deixamos penetrar a torrente, abrimos os portões e pomos em movimento toda a nossa engrenagem? ”Só em pensar em seguir o seu conselho, sinto uma corrente de vitalidade percorrendo meu sangue. Agora, meus amigos, está sendo neste próprio instante.
Thoreau achava que o medo era a causa da ruína dos nossos momentos presentes. E também as assustadoras opiniões que nós temos de nós mesmos. Dizia ele: "A opinião pública é uma tirana débil, se comparada`a opinião que temos de nós mesmos." É verdade: mesmo as pessoas cheias de segurança aparente julgam-se tão mal que no fundo estão alarmadas. E isso, na opinião de Thoreau, é grave, pois “o que um homem pensa a respeito de si mesmo determina, ou melhor, revela seu destino”.
E, por mais inesperado que isso seja, ele dizia: tenha pena de si mesmo. Isso quando se levava uma vida de desespero passivo. Ele então aconselhava um pouco menos de dureza para com eles próprios. O medo faz, segundo ele, ter-se uma covardia desnecessária. Nesse caso devia se abrandar o julgamento de si próprio. “Creio”, escreveu, “que devemos confiar em nós mesmos muito mais do que confiamos. A natureza adapta-se tão bem`a nossa fraqueza quanto`a nossa força." E repetia mil vezes aos que complicavam inutilmente as coisas – e quem de nós não faz isso? – como eu ia dizendo, ele quase gritava com quem complicava as coisas: simplifique! simplifique!
E um dia desses, abrindo um jornal e lendo um artigo de um nome de homem que infelizmente esqueci, deparei com citações de Bernanos que na verdade vêm complementar Thoreau, mesmo que aquele jamais tenha lido este.
Em determinado ponto do artigo (só recordei esse trecho) o autor fala que a marca de Bernanos estava na veemência com que nunca cessou de denunciar a impostura do "mundo livre". Além disso, procurava a salvação pelo risco - sem o qual a vida para ele não valia a pena - "e não pelo encolhimento senil, que não é só dos velhos, é de todos os que defendem as suas posições, inclusive ideológicas, inclusive religiosas" (o grifo é meu)
Para Bernanos, dizia o artigo, o maior pecado sobre a terra era a avareza, sob todas as formas. "A avareza e o tédio danam o mundo." "Dois ramos, enfim, do egoísmo" , acrescenta o autor do artigo.
Repito por pura alegria de viver: a salvação é pelo risco, sem o qual a vida não vale a pena!
Feliz Ano Novo.
(dezembro 1968)
Bichos (I)
... "Nossas relações eram tão estreitas, sua sensibilidade estava de tal modo ligada`a minha que ele pressentia e sentia minhas dificuldades.
... Nenhum ser humano me deu jamais a sensação de ser tão totalmente amada como fui amada sem restrições por esse cão...
... Ter bicho é uma experiência vital. E a quem não conviveu com um animal falta um certo tipo de intuição do mundo vivo. Quem se recusa`a visão de um bicho está com medo de si próprio..."
Inscrição para uma lareira
A vida é um incêndio: nela
dançamos, salamandras mágicas.
Que importa restarem cinzas
se a chama foi bela e alta?
Em meio aos toros que desabam,
cantemos a canção das chamas!
dançamos, salamandras mágicas.
Que importa restarem cinzas
se a chama foi bela e alta?
Em meio aos toros que desabam,
cantemos a canção das chamas!
Cantemos a canção da vida,
na própria luz consumida...
O que acontece com os pais
Competiria aos pais dessas crianças, não a nós, incutir-lhes o hábito de boas leituras. Ora essa! Mas se eles também não lêem... Vivem eternamente barbiturizados pelas novelas de Televisão.
O que acontece com as crianças
Aprendi a escrever lendo, da mesma forma que se aprende a falar ouvindo. Naturalmente, quase sem querer, numa espécie de método subliminar. Em meus tempos de criança, era aquela encantação. Lia-se continuamente e avidamente um mundaréu de histórias(e não estórias) principalmente as do Tico-Tico. Mas lia-se corrido, isto é, frase após frase, do princípio ao fim.
Ora, as crianças de hoje não se acostumam a ler corretamente, porque apenas olham as figuras dessas histórias em quadrinhos, cujo "texto" se limita a simples frases interjeitivas e assim mesmo muitas vezes incorretas. No fundo, uma fraseologia de guinchos e uivos, uma subliteratura de homem das cavernas.
Exagerei? Bem feito! Mas se essas crianças, coitadas, nunca adquiriram o hábito da leitura, como saberão um dia escrever?
15 novembro 2008
O anjo Malaquias
O Ogre rilhava os dentes agudos e lambia os beiços grossos, com esse exagerado ar de ferocidade que os monstros gostam de aparentar, por esporte.
Diante dele, sobre a mesa posta, o Inocentinho balava, imbele. Chamava-se Malaquias – tão pequenino e reconchudo, pelado, a barriguinha pra baixo, na tocante posição de certos retratos da primeira infância...
O Ogre atou o guardanapo ao pescoço. Já ia o miserável devorar o Inocentinho, quando Nossa Senhora interferiu com um milagre. Malaquias criou asas e saiu voando, voando, pelo ar atônito... saiu voando janela em fora...
Dada, porém, a urgência da operação, as asinhas brotaram-lhe apressadamente na bunda, em vez de ser um pouco mais acima, atrás dos ombros. Pois quem nasceu para mártir, nem mesmo a Mãe de Deus lhe vale!
Que o digam as nuvens, esses lerdos e desmesurados cágados das alturas, quando, pela noite morta, o Inocentinho passa por entre elas, voando em esquadro, o pobre, de cabeça pra baixo.
E o homem que, no dia do ordenado, está jogando os sapatos dos filhos, o vestido da mulher e a conta do vendeiro, esse ouve, no entrechocar das fichas, o desatado pranto do Anjo Malaquias!
E a mundana que pinta o seu rosto de ídolo... E o empregadinho em falta que sente as palavras de emergência fugirem-lhe como cabelos de afogado... E o orador que pára em meio de uma frase... E o tenor que dá, de súbito, uma nota em falso... Todos escutam, no seu imenso desamparo, o choro agudo do Anjo Malaquias!
E quantas vezes um de nós, ao levantar o copo ao lábio, interrompe o gesto e empalidece... – O Anjo! O Anjo Malaquias! – ... E então, pra disfarçar, a gente faz literatura... e diz aos amigos que foi apenas uma folha morta que se desprendeu... ou que um pneu estourou, longe... na estrela Aldebaran...
Diante dele, sobre a mesa posta, o Inocentinho balava, imbele. Chamava-se Malaquias – tão pequenino e reconchudo, pelado, a barriguinha pra baixo, na tocante posição de certos retratos da primeira infância...
O Ogre atou o guardanapo ao pescoço. Já ia o miserável devorar o Inocentinho, quando Nossa Senhora interferiu com um milagre. Malaquias criou asas e saiu voando, voando, pelo ar atônito... saiu voando janela em fora...
Dada, porém, a urgência da operação, as asinhas brotaram-lhe apressadamente na bunda, em vez de ser um pouco mais acima, atrás dos ombros. Pois quem nasceu para mártir, nem mesmo a Mãe de Deus lhe vale!
Que o digam as nuvens, esses lerdos e desmesurados cágados das alturas, quando, pela noite morta, o Inocentinho passa por entre elas, voando em esquadro, o pobre, de cabeça pra baixo.
E o homem que, no dia do ordenado, está jogando os sapatos dos filhos, o vestido da mulher e a conta do vendeiro, esse ouve, no entrechocar das fichas, o desatado pranto do Anjo Malaquias!
E a mundana que pinta o seu rosto de ídolo... E o empregadinho em falta que sente as palavras de emergência fugirem-lhe como cabelos de afogado... E o orador que pára em meio de uma frase... E o tenor que dá, de súbito, uma nota em falso... Todos escutam, no seu imenso desamparo, o choro agudo do Anjo Malaquias!
E quantas vezes um de nós, ao levantar o copo ao lábio, interrompe o gesto e empalidece... – O Anjo! O Anjo Malaquias! – ... E então, pra disfarçar, a gente faz literatura... e diz aos amigos que foi apenas uma folha morta que se desprendeu... ou que um pneu estourou, longe... na estrela Aldebaran...
Envelhecer
Antes, todos os caminhos iam.
Agora todos os caminhos vêm.
A casa é acolhedora, os livros poucos.
E eu mesmo preparo o chá para os fantasmas.
Agora todos os caminhos vêm.
A casa é acolhedora, os livros poucos.
E eu mesmo preparo o chá para os fantasmas.
Epílogo
Não, o melhor é não falares, não explicares coisa alguma. Tudo agora está suspenso. Nada aguenta mais nada. E sabe Deus o que é que desencadeia as catástrofes, o que é que derruba um castelo de cartas! Não se sabe... Umas vezes passa uma avalanche e não morre uma mosca... Outras vezes senta uma mosca e desaba uma cidade.
12 novembro 2008
O vestido branco
Acordei de madrugada desejando ter um vestido branco. E seria de gaze. Era um desejo intenso e lúcido. Acho que era a minha inocência que nunca parou. Alguns, bem sei, já até me disseram, me acham perigosa. Mas também sou inocente. A vontade de me vestir de branco foi o que sempre me salvou. Sei, e talvez só eu e alguns saibam, que se tenho perigo tenho também uma pureza. E ela só é perigosa para quem tem perigo dentro de si. A pureza de que falo é límpida: até as coisas ruins a gente aceita. E tem um gosto de vestido branco de gaze. Talvez eu nunca venha a tê-lo, mas é como se tivesse, de tal modo se aprende a viver com o que tanto fala. Também quero um vestido preto porque me deixa mais clara e faz minha pureza sobressair. É mesmo pureza? O que é primitivo é pureza. O que é espontâneo é pureza. O que é ruim é pureza? Não sei, sei que`as vezes a raiz do que é ruim é uma pureza que não pôde ser.
Acordei de madrugada com tanta intensidade por um vestido branco de gaze, que abri meu guarda-roupa. Tinha um branco, de pano grosso e decote arredondado. Grossura é pureza? Uma coisa sei: amor, por mais violento, é.
E eis que de repente agora mesmo vi que não sou pura.
Os prazeres de uma vida normal
"...e receber o telefonema de um amigo, e a comunicação de vozes e alma ser perfeita? Quando se desliga: que prazer dos outros existirem e de a gente se encontrar nos outros. Eu me encontro nos outros. Tudo o que dá certo é normal. O estranho é a luta que se é obrigado a travar para obter o que simplesmente seria o normal."
(trecho de texto)
Que nome dar à esperança
Mas se através de tudo corre a esperança, então a coisa é atingida. No entanto a esperança não é para amanhã. A esperança é este instante. Precisa-se dar outro nome a certo tipo de esperança porque esta palavra significa sobretudo espera. E a esperança é já. Deve haver uma palavra que signifique o que quero dizer.
09 novembro 2008
Soneto antigo
Responder a perguntas não respondo.
Perguntas impossíveis não pergunto.
Só do que sei de mim aos outros conto:
de mim, atravessada pelo mundo.
Toda a minha experiência, o meu estudo,
sou eu mesma que, em solidão paciente,
recolho do que em mim observo e escuto
muda lição, que ninguém mais entende.
O que sou vale mais do que o meu canto.
Apenas em linguagem vou dizendo
caminhos invisíveis por onde ando.
Tudo é secreto e de remoto exemplo.
Todos ouvimos, longe, o apelo do Anjo.
E todos somos pura flor de vento.
Perguntas impossíveis não pergunto.
Só do que sei de mim aos outros conto:
de mim, atravessada pelo mundo.
Toda a minha experiência, o meu estudo,
sou eu mesma que, em solidão paciente,
recolho do que em mim observo e escuto
muda lição, que ninguém mais entende.
O que sou vale mais do que o meu canto.
Apenas em linguagem vou dizendo
caminhos invisíveis por onde ando.
Tudo é secreto e de remoto exemplo.
Todos ouvimos, longe, o apelo do Anjo.
E todos somos pura flor de vento.
Canção do sonho acabado
Já tive a rosa do amor
- rubra rosa, sem pudor.
Cobicei, cheirei, colhi.
Mas ela despetalou
E outra igual, nunca mais vi.
Já vivi mil aventuras,
Me embriaguei de alegria!
Mas os risos da ventura,
No limiar da loucura,
Se tornaram fantasia...
Já almejei felicidade,
Mãos dadas, fraternidade,
Um ideal sem fronteiras
- utopia! Voou ligeira,
Nas asas da liberdade.
Desejei viver. Demais!
Segurar a juventude,
Prender o tempo na mão,
Plantar o lírio da paz!
Mas nem mesmo isto eu pude:
Tentei, porém nada fiz...
Muito, da vida, eu já quis.
Já quis... mas não quero mais...
Mais do que jogo de palavras
O que eu sinto eu não ajo. O que ajo não penso. O que penso não sinto. Do que sei sou ignorante. Do que sinto não ignoro. Não me entendo e ajo como se me entendesse.
Pertencer
Um amigo meu, médico, assegurou-me que desde o berço a criança sente o ambiente, a criança quer: nela o ser humano, no berço mesmo, já começou.
Tenho certeza de que no berço a minha primeira vontade foi a de pertencer. Por motivos que aqui não importam, eu de algum modo devia estar sentindo que não pertencia a nada e a ninguém. Nasci de graça.
Se no berço experimentei esta fome humana, ela continua a me acompanhar pela vida afora, como se fosse um destino. A ponto de meu coração se contrair de inveja e desejo quando vejo uma freira: ela pertence a Deus.
Exatamente porque é tão forte em mim a fome de me dar a algo ou a alguém, é que me tornei bastante arisca: tenho medo de revelar de quanto preciso e de como sou pobre. Sou, sim. Muito pobre. Só tenho um corpo e uma alma. E preciso de mais do que isso. Quem sabe se comecei a escrever tão cedo na vida porque, escrevendo, quando menos eu pertencia um pouco a mim mesma. O que é um fac-símile triste.
Com o tempo, sobretudo os últimos anos, perdi o jeito de ser gente. Não sei mais como se é. E uma espécie toda nova de "solidão de não pertencer" começou a me invadir como heras num muro.
Se meu desejo mais antigo é o de pertencer, por que então nunca fiz parte de clubes ou de associações? Porque não é isso que eu chamo de pertencer. O que eu queria, e não posso, é por exemplo que tudo o que me viesse de bom de dentro de mim eu pudesse dar àquilo que eu pertenço. Mesmo minhas alegrias, como são solitárias às vezes. E uma alegria solitária pode se tornar patética. É como ficar com um presente todo embrulhado em papel enfeitado de presente nas mãos - e não ter a quem dizer: tome, é seu, abra-o! Não querendo me ver em situações patéticas e, por uma espécie de contenção, evitando o tom de tragédia, raramente embrulho com papel de presente os meus sentimentos.
Pertencer não vem apenas de ser fraca e precisar unir-se a algo ou a alguém mais forte. Muitas vezes a vontade intensa de pertencer vem em mim de minha própria força - eu quero pertencer para que minha força não seja inútil e fortifique uma pessoa ou uma coisa.
Embora eu tenha uma alegria: pertenço, por exemplo, a meu país, e como milhões de outras pessoas sou a ele tão pertencente a ponto de ser brasileira. E eu que muito sinceramente, jamais desejei ou jamais desejaria a popularidade - sou individualista demais para que pudesse suportar a invasão de que uma pessoa popular é vítima -, eu, que não quero a popularidade, sinto-me no entanto feliz de pertencer`a literatura brasileira. Não, não é por orgulho, nem por ambição. Sou feliz de pertencer`a literatura brasileira por motivos que nada têm a ver com a literatura, pois nem ao menos sou uma literata ou uma intelectual. Feliz apenas por "fazer parte".
Quase consigo me visualizar no berço, quase consigo reproduzir em mim a vaga e no entanto premente sensação de precisar pertencer. Por motivos que nem minha mãe nem meu pai podiam controlar, eu nasci e fiquei apenas: nascida.
No entanto fui preparada para ser dada à luz de um modo tão bonito. Minha mãe já estava doente, e, por uma superstição bastante espalhada, acreditava-se que ter um filho curava uma mulher de uma doença. Então fui deliberadamente criada: com amor e esperança. Só que não curei minha mãe. E sinto até hoje essa carga de culpa: fizeram-me para uma missão determinada e eu falhei. Como se contassem comigo nas trincheiras de uma guerra e eu tivesse desertado. Sei que meus pais me perdoaram por eu ter nascido em vão e tê-los traído na grande esperança. Mas eu, eu não me perdôo. Quereria que simplesmente se tivesse feito um milagre: eu nascer e curar minha mãe. Então, sim: eu teria pertencido a meu pai e a minha mãe. Eu nem podia confiar a alguém essa espécie de solidão de não pertencer porque, como desertor, eu tinha o segredo da fuga que por vergonha não podia ser conhecido.
A vida me fez de vez em quando pertencer, como se fosse para me dar a medida do que eu perco não pertencendo. E então eu soube: pertencer é viver. Experimentei-o com a sede de quem está no deserto e bebe sôfrego os últimos goles de água de um cantil. E depois a sede volta e é no deserto mesmo que caminho.
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