Caio Fernando Abreu

"Depois de todas as tempestades e naufrágios, o que sobra de mim em mim é cada vez mais essencial e verdadeiro." Caio Fernando Abreu

17 novembro 2008

Aprendendo a viver

Thoreau era um filósofo americano que, entre coisas mais difíceis de se assimilar assim de repente, numa leitura de jornal, escreveu muitas coisas que talvez possam nos ajudar a viver de um modo mais inteligente, mais eficaz, mais bonito, menos angustiado.
Thoreau, por exemplo, desolava-se vendo seus vizinhos só pouparem e economizarem para um futuro longínquo. Que se pensasse um pouco no futuro, estava certo. Mas “melhore o momento presente”, exclamava. E acrescentava: “Estamos vivos agora”. E comentava com desgosto: “Eles ficam juntando tesouros que as traças e a ferrugem irão roer e os ladrões roubar”.
A mensagem é clara: não sacrifique o dia de hoje pelo de amanhã. Se você se sente infeliz agora, tome alguma providência agora, pois só na seqüência dos agoras é que você existe.
Cada um de nós, aliás, fazendo um exame de consciência, lembra-se pelo menos de vários agoras que foram perdidos e que não voltarão mais. Há momentos na vida que o arrependimento de não ter tido ou não ter sido ou não ter resolvido ou não ter aceito, há momentos na vida em que o arrependimento é profundo como uma dor profunda.
Ele queria que fizéssemos agora o que queremos fazer. A vida inteira Thoreau pregou e praticou a necessidadede de fazer agora o que é mais importante para cada um de nós.
Por exemplo: para os jovens que queriam tornar-se escritores mas que contemporizavam – ou esperando uma inspiração ou se dizendo que não tinham tempo por causa de estudos ou trabalho – ele mandava ir agora para o quarto e começar a escrever.
Impacientava-se também com os que gastam tanto tempo estudando a vida que nunca chegam a viver. “É só quando esquecemos todos os nossos conhecimentos que começamos a saber”.
E dizia esta coisa forte que nos enche de coragem:“Por que não deixamos penetrar a torrente, abrimos os portões e pomos em movimento toda a nossa engrenagem? ”Só em pensar em seguir o seu conselho, sinto uma corrente de vitalidade percorrendo meu sangue. Agora, meus amigos, está sendo neste próprio instante.
Thoreau achava que o medo era a causa da ruína dos nossos momentos presentes. E também as assustadoras opiniões que nós temos de nós mesmos. Dizia ele: "A opinião pública é uma tirana débil, se comparada`a opinião que temos de nós mesmos." É verdade: mesmo as pessoas cheias de segurança aparente julgam-se tão mal que no fundo estão alarmadas. E isso,  na opinião de Thoreau, é grave, pois “o que um homem pensa a respeito de si mesmo determina, ou melhor, revela seu destino”.
E, por mais inesperado que isso seja, ele dizia: tenha pena de si mesmo. Isso quando se levava uma vida de desespero passivo. Ele então aconselhava um pouco menos de dureza para com eles próprios. O medo faz, segundo ele, ter-se uma covardia desnecessária. Nesse caso devia se abrandar o julgamento de si próprio. “Creio”, escreveu, “que devemos confiar em nós mesmos muito mais do que confiamos. A natureza adapta-se tão bem`a nossa fraqueza quanto`a nossa força." E repetia mil vezes aos que complicavam inutilmente as coisas – e quem de nós não faz isso? – como eu ia dizendo, ele quase gritava com quem complicava as coisas: simplifique! simplifique!
E um dia desses, abrindo um jornal e lendo um artigo de um nome de homem que infelizmente esqueci, deparei com citações de Bernanos que na verdade vêm complementar Thoreau, mesmo que aquele jamais tenha lido este.
Em determinado ponto do artigo (só recordei esse trecho) o autor fala que a marca de Bernanos estava na veemência com que nunca cessou de denunciar a impostura do "mundo livre". Além disso, procurava a salvação pelo risco - sem o qual a vida para ele não valia a pena - "e não pelo encolhimento senil, que não é só dos velhos, é de todos os que  defendem as suas posições, inclusive ideológicas, inclusive religiosas" (o grifo é meu)
Para Bernanos, dizia o artigo, o maior pecado sobre a terra era a avareza, sob todas as formas. "A avareza e o tédio danam o mundo." "Dois ramos, enfim, do egoísmo" , acrescenta o autor do artigo.
Repito por pura alegria de viver: a salvação é pelo risco, sem o qual a vida não vale a pena!
Feliz Ano Novo.
(dezembro 1968)

Bichos (I)

... "Nossas relações eram tão estreitas, sua sensibilidade estava de tal modo ligada`a minha que ele pressentia e sentia minhas dificuldades.
... Nenhum ser humano me deu jamais a sensação de ser tão totalmente amada como fui amada sem restrições por esse cão...
... Ter bicho é uma experiência vital. E a quem não conviveu com um animal falta um certo tipo de intuição do mundo vivo. Quem se recusa`a visão de um bicho está com medo de si próprio..."

Inscrição para uma lareira

A vida é um incêndio: nela
dançamos, salamandras mágicas.
Que importa restarem cinzas
se a chama foi bela e alta?
Em meio aos toros que desabam,
cantemos a canção das chamas!
Cantemos a canção da vida,
na própria luz consumida...

O que acontece com os pais

Competiria aos pais dessas crianças, não a nós, incutir-lhes o hábito de boas leituras. Ora essa! Mas se eles também não lêem... Vivem eternamente barbiturizados pelas novelas de Televisão.

O que acontece com as crianças

Aprendi a escrever lendo, da mesma forma que se aprende a falar ouvindo. Naturalmente, quase sem querer, numa espécie de método subliminar. Em meus tempos de criança, era aquela encantação. Lia-se continuamente e avidamente um mundaréu de histórias(e não estórias) principalmente as do Tico-Tico. Mas lia-se corrido, isto é, frase após frase, do princípio ao fim.
Ora, as crianças de hoje não se acostumam a ler corretamente, porque apenas olham as figuras dessas histórias em quadrinhos, cujo "texto" se limita a simples frases interjeitivas e assim mesmo muitas vezes incorretas. No fundo, uma fraseologia de guinchos e uivos, uma subliteratura de homem das cavernas.
Exagerei? Bem feito! Mas se essas crianças, coitadas, nunca adquiriram o hábito da leitura, como saberão um dia escrever?

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