Caio Fernando Abreu

"Depois de todas as tempestades e naufrágios, o que sobra de mim em mim é cada vez mais essencial e verdadeiro." Caio Fernando Abreu

16 março 2009

Gente fina

Gente fina é aquela que é tão especial que a gente nem percebe se é gorda, magra, velha, moça, loira, morena, alta ou baixa.
Ela é gente fina, ou seja, está acima de qualquer classificação. Todos a querem por perto. Tem um astral leve, mas sabe aprofundar as questões quando necessário.
É simpática, mas não bobalhona.
É uma pessoa direita, mas não escravizada pelos certos e errados: sabe transgredir sem agredir. Gente fina é aquela que é generosa, mas não banana. Te ajuda, mas permite que você cresça sozinho.
Gente fina diz mais sim do que não, e faz isso naturalmente, não é para agradar.
Gente fina se sente confortável em qualquer ambiente: num boteco de beira de estrada e num castelo no interior da Escócia.
Gente fina não julga ninguém - tem opinião, apenas. Um novo começo de era, com gente fina, elegante e sincera.
O que mais se pode querer? Gente fina não esnoba, não humilha, não trapaceia, não compete e, como o próprio nome diz, não engrossa. Não veio ao mundo pra colocar areia no projeto dos outros. Ela não pesa, mesmo sendo gorda, e não é leviana, mesmo sendo magra.
Gente fina é que tinha que virar tendência. Porque, colocando na balança, é quem faz a diferença.

Kit Felicidade

Por muito tempo acreditei que a fórmula da felicidade estava no triângulo amor-saúde-dinheiro. Acredito, ainda, que ter o coração preenchido, o corpo funcionando 100% e um saldo decente no banco alivia à beça as dores do mundo. Se você não está só, não está doente e não está duro, vai se angustiar por quê?
Você não está só, não está doente e não está duro, porém jamais conseguiu ir ao cinema sozinho, ou viajar sozinho, ou dar uma caminhada sozinho. Você não consegue escolher entre um casaco preto e um marrom sem consultar uma segunda opinião. Você nunca aceitou um emprego sem antes saber o que a sua turma pensava a respeito, nunca tomou uma decisão que fosse desaconselhada pelos parentes, nunca abriu um champanhe para si mesmo.
Você não está só, não está doente e não está duro, mas não acredita que tenha condições de realizar um trabalho que nunca fez antes. Tem certeza de que é a pessoa mais deslocada da festa e que está vestido inadequadamente. Não dá palpite na conversa dos outros porque sabe que vai dizer besteira. Ri das piadas que não tenha sentido algum. É ph.D em Literatura, mas não ousa mostrar seus versos. Tem o corpo malhado mas anda encurvado na rua. Bate com o joelho na quina da mesa, em vez de soltar um palavrão, pede desculpa para o móvel.
Você não está só, não está doente e não está duro, mas leva a ferro e fogo tudo o que lhe dizem. Se alguém comenta que seu cabelo está muito grisalho, você rebate dizendo que a barriga do outro está mais saliente. Se errou o caminho da estrada, pragueja em vez de aproveitar a bela paisagem que se descortinou. Se alguém desmarca um compromisso em cima da hora, você corta relações. Se algo sai errado, a culpa nunca é sua. Se exagera numa reação, é incapaz de rir de si próprio e relevar o incidente. Um congestionamento estraga o seu dia.
Amor, saúde e dinheiro persistem a tríade dos sonhos, mas o século 21 está colocando na prateleira um kit suplementar: independência, auto-estima e bom humor. Adquira-o. A felicidade não depende só do cumprimento de metas vitais, mas também de atitudes mundanas.   (Junho 1999)

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