Caio Fernando Abreu

"Depois de todas as tempestades e naufrágios, o que sobra de mim em mim é cada vez mais essencial e verdadeiro." Caio Fernando Abreu

15 março 2009

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Desejo uma fotografia
como esta - o senhor vê? - como esta:
em que para sempre me ria
como um vestido de eterna festa.

Como tenho a testa sombria,
derrame luz na minha testa.
Deixe esta ruga, que me empresta
um certo ar de sabedoria.

Não meta fundos de floresta
nem de arbitrária fantasia…
Não… Neste espaço que ainda resta,
ponha uma cadeira vazia.

Ísis

E diz-me a desconhecida:
"Mais depressa! Mais depressa!
Que eu vou te levar a vida! . . .

Finaliza! Recomeça!
Transpõe glórias e pecados! . . ."
Eu não sei que voz seja essa

Nos meus ouvidos magoados:
Mas guardo a angústia e a certeza
De ter os dias contados . . .

Rolo, assim, na correnteza
Da sorte que se acelera,
Entre margens de tristeza,

Sem palácios de quimera,
Sem paisagens de ventura,
Sem nada de primavera . . .

Lá vou, pela noite escura,
Pela noite de segredo,
Como um rio de loucura . . .

Tudo em volta sente medo . . .
E eu passo desiludida,
Porque sei que morro cedo . . .

Lá me vou, sem despedida . . .
Às vezes, quem vai, regressa . . .
E diz-me a Desconhecida:

"Mais depressa! Mais depressa" . . .

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