Caio Fernando Abreu

"Depois de todas as tempestades e naufrágios, o que sobra de mim em mim é cada vez mais essencial e verdadeiro." Caio Fernando Abreu

08 novembro 2009

Compensação

(...)Esta ignorância humana.
Este silêncio do universo.
A sabedoria.
Hoje eu queria estar entre as nuvens, na velocidade das nuvens, na sua fragilidade, na sua docilidade de ser e deixar de ser.
Livremente.
Sem interesse próprio.
Confiante.
À mercê da vida.
Sem nenhum sonho de durarem até o ano 2000, de terem emprego público, férias, abono de Natal, montepio, prêmio de loteria, discurso à beira do túmulo, nome em placa de rua, busto no jardim...
(Ó nuvens prodigiosas, criaturas efêmeras que estais tão alto e não pretendeis nada, e sois capazes de obscurecer o sol e de fazer frutificar a terra, e não tendes vaidade nenhuma nem apego a esses ocasos!)
Hoje eu queria andar lá em cima nas nuvens, com as nuvens, pelas nuvens, para as nuvens..."

Reinvenção

A vida só é possível
reinventada.

Anda o sol pelas campinas
e passeia a mão dourada
pelas águas, pelas folhas. . .
Ah! tudo bolhas
que vêm de fundas piscinas
de ilusionismo... – mais nada.

Mas a vida, a vida, a vida,
a vida só é possível
reinventada.

Vem a lua, vem, retira
as algemas dos meus braços.
Projeto-me por espaços
cheios da tua Figura.
Tudo mentira! Mentira
da lua, na noite escura.

Não te encontro, não te alcanço...
Só - no tempo equilibrada,
desprendo-me do balanço
que além do tempo me leva.
Só - na treva
fico: recebida e dada.

Porque a vida, a vida, a vida,
a vida só é possível
reinventada.

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