Caio Fernando Abreu

"Depois de todas as tempestades e naufrágios, o que sobra de mim em mim é cada vez mais essencial e verdadeiro." Caio Fernando Abreu

21 outubro 2009

Certeza

De tudo ficaram três coisas:
a certeza de que estamos sempre começando...
a certeza de que é preciso continuar...
a certeza de que seremos interrompidos
antes de terminar...

Façamos da interrupção um caminho novo...
Da queda, um passo de dança...
Do medo, uma escada...
Do sonho, uma ponte...
Da procura, um encontro.
(Fernando Sabino)

17 outubro 2009

As mãos estendidas

de Olga Savary
a Carlos Drummond de Andrade


Nessa direção
da janela aberta
vem o Murundu,
o bicho-papão
metendo medo em
quem anda acordado
inda a essas horas.
Em outro lugar
cisma outra criança.
Triste é não poder ter um outro vôo
que não o poético
da imaginação
para a consolar.
E assim ficamos
entre o querer
estendendo as mãos
e deixando-as cair.

Éden Hades



Jardins de água fartavam-nos de sol inchado em veias
pendendo como manga e eu era como dono de navio
altivo e digno. Que nem vogal aberta, abri portas para
a areia em repentina perda da memória.
Que o ar seja bebido tal um navio.
Tudo o que é brisa aflora nos terraços
e vibra nos sagarços sobre as vagas.
Apanhada na armadilha
Faz-se a treva manhã.
Estas as figurações do sonho:
uma placa de prata e um nome inscrito,
hoje apagado, gravado há muito,
muito tempo. E só. Os deuses nos convocam,
nos querem a todo porque nada querem,
riem de nós, perdem-nos ao nos buscar e às nossas
perguntas fazem ouvidos moucos,
não respondem senão ao eco oco.
Tudo perde o sentido mal é pronunciado.

de: Olga Savary

13 outubro 2009

...sonho


Eu tenho uma espécie de dever de dever de sonhar de sonhar sempre, pois sendo mais do que um espectador de mim mesmo,
Eu tenho que ter o melhor espetáculo que posso. E assim me construo a ouro e sedas, em salas supostas, invento palco, cenário para viver o meu sonho entre luzes brandas e músicas invisíveis...

Sonho impossível

Composição: Joe Darion, Mitch Leigh
versão em português de Chico Buarque


Sonhar
Mais um sonho impossível
Lutar
Quando é fácil ceder
Vencer
O inimigo invencível
Negar
Quando a regra é vender
Sofrer
A tortura implacável
Romper
A incabível prisão
Voar
Num limite improvável
Tocar
O inacessível chão

É minha lei, é minha questão
Virar esse mundo
Cravar esse chão
Não me importa saber
Se é terrível demais
Quantas guerras terei que vencer
Por um pouco de paz
E amanhã, se esse chão que eu beijei
For meu leito e perdão
Vou saber que valeu delirar
E morrer de paixão
E assim, seja lá como for
Vai ter fim a infinita aflição
E o mundo vai ver uma flor
Brotar do impossível chão

11 outubro 2009

Nadador

O que me encanta é a linha alada
das tuas espáduas, e a curva
que descreves, passáro da água!

É a tua fina, ágil cintura,
e esse adeus da tua garganta
para cemitérios de espuma!

É a despedida, que me encanta,
quando te desprendes ao vento,
fiel à queda, rápida e branda

E apenas por estar prevendo,
longe, na eternidade da água,
sobreviver teu movimento...


Os Cem Melhores Poemas Brasileiros do Século, Editora Objetiva, 2001

Que me venha esse homem

Que me venha esse homem
depois de alguma chuva
que me prenda de tarde
em sua teia de veludo
que me fira com os olhos
e me penetre em tudo.

Que me venha esse homem
de músculos exatos
com um desejo agreste
com um cheiro de mato
que me prenda de noite
em sua rede de braços
que me perca em seus fios
de algas e sargaços.

Que me venha com força
com gosto de desbravar
que me faça de mata
pra percorrer devagar
que me faça de rio
pra se deixar naufragar.

Que me salve esse homem
com sua febre de fogo
que me prenda no espaço
de seu passo mais louco. (Bruna Lombardi)

Canção do Amor-Perfeito

O tempo seca a beleza.
seca o amor, seca as palavras.
Deixa tudo solto, leve,
desunido para sempre
como as areias nas águas.

O tempo seca a saudade,
seca as lembranças e as lágrimas.
Deixa algum retrato, apenas,
vagando seco e vazio
como estas conchas das praias.

O tempo seca o desejo
e suas velhas batalhas.
Seca o frágil arabesco,
vestígio do musgo humano,
na densa turfa mortuária.

Esperarei pelo tempo
com suas conquistas áridas.
Esperarei que te seque,
não na terra, Amor-Perfeito,
num tempo depois das almas.

Melhores Poemas, Global Editora, 1977 – imagem de Vladimir Kush

Você não me ensinou a te esquecer

Composição: Fernando Mendes, José Wilson e Lucas


Não vejo mais você faz tanto tempo
Que vontade que eu sinto
De olhar em seus olhos, ganhar seus abraços
É verdade, eu não minto

E nesse desespero em que me vejo
Já cheguei a tal ponto
De me trocar diversas vezes por você
Só pra ver se te encontro

Você bem que podia perdoar
E só mais uma vez me aceitar
Prometo agora vou fazer por onde nunca mais perdê-la

Agora, que faço eu da vida sem você?
Você não me ensinou a te esquecer
Você só me ensinou a te querer
E te querendo eu vou tentando te encontrar
Vou me perdendo
Buscando em outros braços seus abraços
Perdido no vazio de outros passos
Do abismo em que você se retirou
E me atirou e me deixou aqui sozinho

Agora, que faço eu da vida sem você?
Você não me ensinou a te esquecer
Você só me ensinou a te querer
e te querendo eu vou tentando me encontrar

E nesse desepero em que me vejo
já cheguei a tal ponto
de me trocar diversas vezes por você
só pra ver se te encontro
Você bem que podia perdoar
E só mais uma vez me aceitar
Prometo agora vou fazer por onde nunca mais perdê-la


Agora, que faço eu da vida sem você?
Você não me ensinou a te esquecer
Você só me ensinou a te querer
E te querendo eu vou tentando te encontrar
Vou me perdendo
Buscando em outros braços seus abraços
Perdido no vazio de outros passos
Do abismo em que você se retirou
E me atirou e me deixou aqui sozinho


Agora, que faço eu da vida sem você?
Você não me ensinou a te esquecer
Você só me ensinou a te querer
e te querendo eu vou tentando te encontrar
Vou me perdendo
Buscando em outros braços seus abraços
Perdido no vazio de outros passos
Do abismo em que você se retirou
E me atirou e me deixou aqui sozinho


Agora, que faço eu da vida sem você?
Você não me ensinou a te esquecer
Você só me ensinou a te querer
E te querendo eu vou tentando me encontrar

10 outubro 2009

Canção do recomeço

A casa aonde voltei
depois de muitos anos,
bóia como uma ilha de aguapés na noite,
presa por uma raiz doce e dolorosa
que me define.

Na madrugada caminho pelos quartos
como no fundo do mar
onde essa raiz se finca.
Pelas vidraças, o jardim são algas;
meus filhos dormem como quando
eram meninos,
e suas respirações, como sentimentos,
fundem-se neste bojo.

Este é o meu lugar
aonde voltei depois de tanto tempo,
como quem, misturando peças
dos enigmas mais arcaicos,
montasse laboriosamente o seu quebra-cabeça.

01 outubro 2009

O Ramo de Flores do Museu – II

Que fantasmas lerão, nas incolores
pétalas, as mensagens não aceitas
em nítidos momentos anteriores?

Que fantasmas verão a vossa airosa
figura erguendo as claras mãos desfeitas,
noutro império, a uma luz mais gloriosa?

Ó cinérea Princesa, é muito densa
do mundo humano a trama das neblinas…
A floresta do absurdo é negra, é imensa,
e as sibilas se escondem, repentinas.

Crepitam os junquilhos e as boninas
a um vento secular de indiferença.
Mas, entre vãs paredes vespertinas,
o ramo existe, sem que a morte o vença.

O Ramo de Flores do Museu – I

Ó cinérea Princesa, as vossas flores
ficarão para sempre mais perfeitas,
já que o tempo extinguiu brilhos e cores;

já que o tempo extinguiu a habilidosa
mão que elevou, serenas e direitas,
a tulipa sucinta e a ardente rosa

Não há mais ilusão de outra presença
que o Amor, que inspirou graças tão finas
- que ninguém viu e em que ninguém mais pensa -
porque os homens e o mundo são de ruínas

E este ramo de pétalas franzinas,
leve, liberto da mortal sentença,
tinha, ó Princesa, fábulas divinas
em cada flor, sobre o nada suspensa

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