Caio Fernando Abreu

"Depois de todas as tempestades e naufrágios, o que sobra de mim em mim é cada vez mais essencial e verdadeiro." Caio Fernando Abreu

19 abril 2009

Movimentos...

Todos os movimentos da sensibilidade, por agradáveis que sejam, são sempre interrupções de um estado, que não sei em que consiste, que é a vida íntima dessa própria sensibilidade. Não só as grandes preocupações, que nos distraem de nós, mas até as pequenas arrelias, pertubam uma quietação a que todos, sem saber, aspiramos.
Vivemos quase sempre fora de nós, e a mesma vida é uma perpétua dispersão. Porém, é para nós que tendemos, como para um centro em torno do qual fazemos, como os planetas, elipses absurdas e distantes.  (do'Livro do Desassossego')

Sou...

Sou mais velho que o Tempo e que o Espaço, porque sou consciente. As coisas derivam de mim; a Natureza inteira é a primogênita da minha sensação.

Busco – não encontro. Quero e não posso.

Sem mim, o sol nasce e se apaga; sem mim a chuva cai e o vento geme. Não são por mim as estações, nem o curso dos meses, nem a passagem das horas.

Dono do mundo em mim, como de terras que não posso trazer comigo, {espaço em branco deixado pelo autor}
(do 'Livro do Desassossego, pág. 221)

Estética do desalento

Já que não podemos extrair beleza da vida, busquemos ao menos extrair beleza de não poder extrair beleza da vida. Façamos da nossa falência uma vitória, uma coisa positiva e erguida, com colunas, majestade e aquiescência espiritual.
Se a vida [não] nos deu mais do que uma cela de reclusão, façamos por ornamentá-la, ainda que mais não seja, com as sombras de nossos sonhos, desenhos a cores mistas esculpindo o nosso esquecimento sobre a parada exterioridade dos muros.
Como todo o sonhador, senti sempre que o meu mister era criar. Como nunca soube fazer um esforço ou ativar uma intenção, criar coincidiu-me sempre com sonhar, querer ou desejar, e fazer gestos com sonhar os gestos que desejaria poder fazer.
(do 'Livro do Desassossego')

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