Caio Fernando Abreu

"Depois de todas as tempestades e naufrágios, o que sobra de mim em mim é cada vez mais essencial e verdadeiro." Caio Fernando Abreu

13 fevereiro 2009

Bem no fundo

No fundo, no fundo,
bem lá no fundo,
a gente gostaria
de ver nossos problemas
resolvidos por decreto

a partir desta data,
aquela mágoa sem remédio
é considerada nula
e sobre ela — silêncio perpétuo

extinto por lei todo o remorso,
maldito seja que olhas pra trás,
lá pra trás não há nada,
e nada mais

mas problemas não se resolvem,
problemas têm família grande,
e aos domingos saem todos a passear
o problema, sua senhora
e outros pequenos probleminhas.
(Paulo Leminski)

Testes

Dia desses resolvi fazer um teste proposto por um site da internet. O nome do teste era tentador: "O que Freud diria de você". Uau. Eu me interesso em saber até o que o vendedor de picolé pensa sobre mim, imagina Freud. Respondi corretamente a todas as perguntas e o resultado foi o seguinte: "Os acontecimentos da sua infância a marcaram até os doze anos, depois disso você buscou conhecimento intelectual para seu amadurecimento". Perfeito! Foi exatamente o que aconteceu comigo. Fiquei radiante: eu havia realizado uma consulta paranormal com o pai da psicanálise, e ele acertou na mosca.
Só que eu estava com tempo sobrando, e curiosidade é algo que não me falta, então resolvi voltar ao teste e responder tudo diferente do que havia respondido antes. Marquei umas alternativas esdrúxulas, que nada tinham a ver com minha personalidade. E fui conferir o resultado, que dizia o seguinte: "Os acontecimentos da sua infância a marcaram até os 12 anos, depois disso você buscou conhecimento intelectual para seu amadurecimento".
Muito engraçado.
De que adianta tanto "amadurecimento intelectual" se a gente se deixa empolgar por testezinhos muquiranas da internet? Desliguei o computador me sentindo a otária do século e fui fazer qualquer outra coisa para esquecer o pequeno incidente. Mas não esqueci. E, juntando um neurônio com o outro, me veio a luz. É isso! Não importa como vivi meus primeiros anos, quais foram as minhas reações diante do sucesso e do fracasso, quanto de carinho recebi ou não recebi de meus pais, se era popular ou se só colecionei frustações na escola. A verdade estava gritando na minha frente: os acontecimentos da infância marcam TODOS até os doze anos de idade (ou treze, ou quatorze) e depois disso TODOS buscam conhecimento intelectual para amadurecer.
Ou seja, o teste estava corretíssimo. As respostas podiam variar de pessoa para pessoa que pouco importava. A vida não é original, ela é repetitiva, e até Sartre, que não era psicanalista, matou a charada quando disse "não importa o que fizeram com você, importa é o que você fez do que fizeram com você". Em outras palavras: depois dos doze, chega de se lamentar. Vá buscar conhecimento para estruturar sua felicidade.
Ou os caras que bolaram o teste são mesmo um bando de gozadores ou são gênios. Tendo mais de doze anos de idade, escolha você o resultado que mais lhe convém.  (08 nov 2006)

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