Caio Fernando Abreu

"Depois de todas as tempestades e naufrágios, o que sobra de mim em mim é cada vez mais essencial e verdadeiro." Caio Fernando Abreu

25 setembro 2009

Menino...



Aquele menino trazia na testa uma marca inconfundível:
pertencia àquela espécie de gente que mergulha nas coisas às vezes sem saber por que, não sei se na esperança de decifrá-las ou se apenas pelo prazer de mergulhar.
Essas são as escolhidas —
as que vão ao fundo,
ainda que fiquem por lá... (Caio Fernando Abreu)



– desenho de Rafael Valle Barradas

21 setembro 2009

Viver...

"Viver é acalentar sonhos e esperanças, fazendo da fé a nossa inspiração maior. É buscar nas pequenas coisas, um grande motivo para ser feliz".

Inscrição


Sou entre flor e nuvem,
estrela e mar.
Por que havemos de ser unicamente humanos,
limitados em chorar?

Não encontro caminhos
fáceis de andar.
Meu rosto vário desorienta as firmes pedras
que não sabem de água e de ar.

E por isso levito.
É bom deixar
um pouco de ternura e encanto indiferente
de herança, em cada lugar.

11 setembro 2009

Descrição

Há uma água clara que cai sobre pedras escuras
e que só pelo som, deixa ver como é fria.
Há uma noite por onde passam grandes estrelas puras.
Há um pensamento esperando que se forme uma alegria.

Há um gesto acorrentado e uma voz sem coragem,
e um amor que não sabe aonde é que anda o seu dia.
E a água cai, refletindo estrelas, céu, folhagem...
Cai para sempre!

E duas mãos nela mergulham com tristeza,
deixando um esplendor sobre a sua passagem.
(Porque existe um esplendor e uma inútil beleza
nessas mãos que desenham dentro da água sua viagem
para fora da natureza,

onde não chegará nunca essa água imprecisa,
que nasce e desliza, que nasce e desliza...)

05 setembro 2009

Minha Terra!

Quanto é grato em terra estranha
Sob um céu menos querido,
Entre feições estrangeiras,
Ver um rosto conhecido;

Ouvir a pátria linguagem
Do berço balbuciada,
Recordar sabidos casos
Saudosos — da terra amada!

E em tristes serões d'inverno,
Tendo a face contra o lar,
Lembrar o sol que já vimos,
E o nosso ameno luar!

Certo é grato; mais sentido
Se nos bate o coração,
Que para a pátria nos voa,
P'ra onde os nossos estão!
Depois de girar no mundo
Como barco em crespo mar,
Amiga praia nos chama
Lá no horizonte a brilhar.

E vendo os vales e os montes
E a pátria que Deus nos deu,
Possamos dizer contentes:
Tudo isto que vejo é meu!

Meu este sol que me aclara,
Minha esta brisa, estes céus:
Estas praias, bosques, fontes,
Eu os conheço — são meus!

Mais os amo quando volte,
Pois do que por fora vi,
A mais querer minha terra,
E minha gente aprendi.























Gonçalves Dias – Paris, 1864

Canção da tarde no campo

Caminho no campo verde
Estrada depois de estrada.
Cercas de flores, palmeiras,
Serra azul, água calada.

Eu ando sozinha
No meio do vale.
Mas a tarde é minha.

Meus pés vão pisando a terra
Que é a imagem da minha vida:
Tão vazia mas tão bela,
Tão certa, mas tão perdida!

Eu ando sozinha
Por cima de pedras
Mas a flor é minha.

Os meus passos no caminho
São como os passos da lua;
Vou chegando, vais fugindo,
Minha alma é a sombra da tua.

Eu ando sozinha
Por dentro de bosques
Mas a fonte é minha

De tanto olhar para longe
Não vejo o que passa perto.
Subo monte, desço monte,
Meu peito é puro deserto.

Eu ando sozinha
Ao longo da noite
Mas a estrela é minha.

01 setembro 2009

Paixão

O que a paixão concebe de perfeito, suprimida a paixão fica desfeito.
A violência da dor ou da alegria com sua própria atuação não dura um dia.
Onde o prazer se exalta a dor se encolhe; um nada a dor se extingue e o riso tolhe.
O mundo passa; é natural, portanto, que com a fortuna o amor se altere tanto;
se a sorte guia o amor, ou o amor a sorte.

William Shakespeare – Hamleto

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