Caio Fernando Abreu

"Depois de todas as tempestades e naufrágios, o que sobra de mim em mim é cada vez mais essencial e verdadeiro." Caio Fernando Abreu

12 novembro 2008

O vestido branco

Acordei de madrugada desejando ter um vestido branco. E seria de gaze. Era um desejo intenso e lúcido. Acho que era a minha inocência que nunca parou. Alguns, bem sei, já até me disseram, me acham perigosa. Mas também sou inocente. A vontade de me vestir de branco foi o que sempre me salvou. Sei, e talvez só eu e alguns saibam, que se tenho perigo tenho também uma pureza. E ela só é perigosa para quem tem perigo dentro de si. A pureza de que falo é límpida: até as coisas ruins a gente aceita. E tem um gosto de vestido branco de gaze. Talvez eu nunca venha a tê-lo, mas é como se tivesse, de tal modo se aprende a viver com o que tanto fala. Também quero um vestido preto porque me deixa mais clara e faz minha pureza sobressair. É mesmo pureza? O que é primitivo é pureza. O que é espontâneo é pureza. O que é ruim é pureza? Não sei, sei que`as vezes a raiz do que é ruim é uma pureza que não pôde ser.
Acordei de madrugada com tanta intensidade por um vestido branco de gaze, que abri meu guarda-roupa. Tinha um branco, de pano grosso e decote arredondado. Grossura é pureza? Uma coisa sei: amor, por mais violento, é.
E eis que de repente agora mesmo vi que não sou pura.

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