Caio Fernando Abreu

"Depois de todas as tempestades e naufrágios, o que sobra de mim em mim é cada vez mais essencial e verdadeiro." Caio Fernando Abreu

01 novembro 2008

Olhe

"Olhe para todos a seu redor e veja o que temos feito de nós. Não temos amado, acima de todas as coisas. Não temos aceito o que não entendemos porque não queremos passar por tolos. Temos amontoado coisas, coisas e coisas... mas não temos um ao outro. Não temos nenhuma alegria que já não esteja catalogada. Temos construído catedrais, e ficado do lado de fora, pois as catedrais que nós mesmos construímos, tememos que sejam armadilhas. Não nos temos entregue a nós mesmos, pois isso seria o começo de uma vida larga e nós a tememos. Temos organizado associações e clubes sorridentes... onde se serve com ou sem soda.
Temos procurado nos salvar, mas sem usar a palavra salvação para
não nos envergonharmos de ser inocentes.
Não temos usado a palavra amor para não termos de reconhecer sua
contextura de ódio, de ciúme e de tantos outros contraditórios.
Temos mantido em segredo a nossa morte para tornar nossa vida possível.
Muitos de nós fazem arte por não saber como é a outra coisa.
Temos disfarçado com falso amor a nossa indiferença,
sabendo que nossa indiferença é angústia disfarçada.
Temos disfarçado com pequenos medos... o grande medo ....
e por isso nunca falamos o que realmente importa .
Falar no que realmente importa é considerado uma gafe.
Não temos sido puros e ingênuos para não rirmos de nós mesmos
e para que no fim do dia possamos dizer "pelo menos não fui tolo"
e assim não ficarmos perplexos... antes de apagar a luz.
Temos sorrido em público do que não sorriríamos quando ficássemos sozinhos.
Temos chamado de fraqueza a nossa candura.
Temo-nos temido um ao outro, acima de tudo.
E a tudo isso.. consideramos a vitória nossa de cada dia."

(*)dúvidas se é de Clarice

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