Caio Fernando Abreu

"Depois de todas as tempestades e naufrágios, o que sobra de mim em mim é cada vez mais essencial e verdadeiro." Caio Fernando Abreu

02 novembro 2008

ser mãe

Nós estamos sentadas almoçando quando minha filha casualmente
menciona que ela e seu marido estão pensando em 'começar uma
família'. 'Nós estamos fazendo uma pesquisa', ela diz, meio de
brincadeira. 'Você acha que eu deveria ter um bebê?'

'Vai mudar a sua vida,' eu digo, cuidadosamente mantendo meu tom
neutro. 'Eu sei,' ela diz, 'nada de dormir até tarde nos finais de
semana, nada de férias espontâneas.. .'

Mas não foi nada disso que eu quis dizer.
Eu olho para a minha filha, tentando decidir o que dizer a ela.
Eu quero que ela saiba o que ela nunca vai aprender no curso de
casais grávidos.
Eu quero lhe dizer que as feridas físicas de dar à luz irão se curar,
mas que tornar-se mãe deixará uma ferida emocional tão exposta que
ela estará para sempre vulnerável.

Eu penso em alertá-la que ela nunca mais vai ler um jornal sem se
perguntar 'E se tivesse sido o MEU filho?'
Que cada acidente de avião, cada incêndio irá lhe assombrar. Que
quando ela vir fotos de crianças morrendo de fome, ela se perguntará
se algo poderia ser pior do que ver seu filho morrer. Olho para suas
unhas com a manicure impecável, seu terno estiloso e penso que não
importa o quão sofisticada ela seja, tornar-se mãe irá reduzí-la ao
nível primitivo da ursa que protege seu filhote. Que um grito urgente
de 'Mãe!' fará com que ela derrube um suflê na sua melhor louça sem
hesitar nem por um instante.

Eu sinto que deveria avisá-la que não importa quantos anos ela
investiu em sua carreira, ela será arrancada dos trilhos profissionais
pela maternidade. Ela pode conseguir uma escolinha, mas um belo
dia ela entrará numa importante reunião de negócios e pensará no
cheiro do seu bebê. Ela vai ter que usar cada milímetro de sua
disciplina para evitar sair correndo para casa, apenas para ter certeza
de que o seu bebê está bem.

Eu quero que a minha filha saiba que decisões do dia a dia não mais
serão rotina. Que a decisão de um menino de 5 anos de ir ao banheiro
masculino ao invés do feminino no McDonald's se tornará um
enorme dilema. Que ali mesmo, em meio às bandejas barulhentas e
crianças gritando, questões de independência e gênero serão
pensadas contra a possibilidade de que um molestador de crianças
possa estar observando no banheiro.

Não importa o quão assertiva ela seja no escritório, ela se
questionará constantemente como mãe.

Olhando para minha atraente filha, eu quero assegurá-la de que o
peso da gravidez ela perderá eventualmente, mas que ela jamais se
sentirá a mesma sobre si mesma. Que a vida dela, hoje tão
importante, será de menor valor quando ela tiver um filho. Que ela a
daria num segundo para salvar sua cria, mas que ela também
começará a desejar por mais anos de vida -- não para realizar seus
próprios sonhos, mas para ver seus filhos realizarem os deles.

Eu quero que ela saiba que a cicatriz de uma cesárea ou estrias se
tornarão medalhas de honra.

O relacionamento de minha filha com seu marido irá mudar, mas não
da forma como ela pensa. Eu queria que ela entendesse o quanto
mais se pode amar um homem que tem cuidado ao passar talco num
bebê ou que nunca hesita em brincar com seu filho. Eu acho que ela
deveria saber que ela se apaixonará por ele novamente por razões
que hoje ela acharia nada românticas.

Eu gostaria que minha filha pudesse perceber a conexão que ela
sentirá com as mulheres que através da história tentaram acabar com
as guerras, o preconceito e com os motoristas bêbados.

Eu espero que ela possa entender porque eu posso pensar
racionalmente sobre a maioria das coisas, mas que eu me torno
temporariamente insana quando eu discuto a ameaça da guerra
nuclear para o futuro de meus filhos.

Eu quero descrever para minha filha a enorme emoção de ver seu
filho aprender a andar de bicicleta. Eu quero mostrar a ela a
gargalhada gostosa de um bebê que está tocando o pelo macio de um
cachorro ou gato pela primeira vez. Eu quero que ela prove a alegria
que é tão real que chega a doer. O olhar de estranheza da minha
filha me faz perceber que tenho lágrimas nos olhos.

'Você jamais se arrependerá', digo finalmente. Então estico minha
mão sobre a mesa, aperto a mão da minha filha e faço uma prece
silenciosa por ela, e por mim, e por todas as mulheres meramente
mortais que encontraram em seu caminho este que é o mais
maravilhoso dos chamados.
Este presente abençoado de Deus... que é ser Mãe.
(não sei quem é o autor)

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