de Auta de Souza
(às moças da Serra)
É meia-noite… O sino alvissareiro,
Lá da Igrejinha branca pendurado,
Como um sonho místico e fagueiro,
Vem relembrar o tempo do Passado.
Ó velho sino, ó bronze abençoado,
Na alegria e na mágoa companheiro!
Tu me recordas o sorrir primeiro
Do menino Jesus imaculado.
E enquanto escuto a tua voz dolente,
Meu ser, que geme dolorosamente
Da desventura aos gélidos açoites,
Bebe em teus sons tanta alegria, tanta!
Sino que lembras uma noite santa,
Noite bendita mais que as outras noites!
Caio Fernando Abreu
"Depois de todas as tempestades e naufrágios, o que sobra de mim em mim é cada vez mais essencial e verdadeiro." Caio Fernando Abreu
26 dezembro 2009
18 dezembro 2009
O filho do homem
O mundo parou
A estrela morreu
No fundo da treva
O infante nasceu.
Nasceu num estábulo
Pequeno e singelo
Com boi e charrua
Com foice e martelo.
Ao lado do infante
O homem e a mulher
Uma tal Maria
Um José qualquer.
A noite o fez negro
Fogo o avermelhou
A aurora nascente
Todo o amarelou.
O dia o fez branco
Branco com a luz
À falta de um nome
Chamou-se Jesus.
Jesus pequenino
Filho natural
Ergue-te, menino
É triste o Natal.
(Natal de 1947)
A estrela morreu
No fundo da treva
O infante nasceu.
Nasceu num estábulo
Pequeno e singelo
Com boi e charrua
Com foice e martelo.
Ao lado do infante
O homem e a mulher
Uma tal Maria
Um José qualquer.
A noite o fez negro
Fogo o avermelhou
A aurora nascente
Todo o amarelou.
O dia o fez branco
Branco com a luz
À falta de um nome
Chamou-se Jesus.
Jesus pequenino
Filho natural
Ergue-te, menino
É triste o Natal.
(Natal de 1947)
Soneto de Aniversário
Passem-se dias, horas, meses, anos
Amadureçam as ilusões da vida
Prossiga ela sempre dividida
Entre compensações e desenganos.
Amadureçam as ilusões da vida
Prossiga ela sempre dividida
Entre compensações e desenganos.
Faça-se a carne mais envilecida
Diminuam os bens, cresçam os danos
Vença o ideal de andar caminhos planos
Melhor que levar tudo de vencida.
Queira-se antes ventura que aventura
À medida que a têmpora embranquece
E fica tenra a fibra que era dura.
E eu te direi: amiga minha, esquece...
Que grande é este amor meu de criatura
Que vê envelhecer e não envelhece.
13 dezembro 2009
Almas Perfumadas
Tem gente que tem cheiro de passarinho quando canta. De sol quando acorda. De flor quando ri. Ao lado delas, a gente se sente no balanço de uma rede que dança gostoso numa tarde grande, sem relógio e sem agenda.
Ao lado delas, a gente se sente comendo pipoca na praça. Lambuzando o queixo de sorvete. Melando os dedos com algodão doce da cor mais doce que tem pra escolher. O tempo é outro. E a vida fica com a cara que ela tem de verdade, mas que a gente desaprende de ver.
Tem gente que tem cheiro de colo de Deus. De banho de mar quando a água é quente e o céu é azul. Ao lado delas, a gente sabe que os anjos existem e que alguns são invisíveis. Ao lado delas, a gente se sente chegando em casa e trocando o salto pelo chinelo. Sonhando a maior tolice do mundo com o gozo de quem não liga pra isso. Ao lado delas, pode ser Abril, mas parece manhã de Natal do tempo em que a gente acordava e encontrava o presente do Papai Noel.
Tem gente que tem cheiro das estrelas que Deus acendeu no céu e daquelas que conseguimos acender na Terra. Ao lado delas, a gente não acha que o amor é possível, a gente tem certeza. Ao lado delas, a gente se sente visitando um lugar feito de alegria. Recebendo um buquê de carinhos. Abraçando um filhote de urso panda. Tocando com os olhos os olhos da paz. Ao lado delas, saboreamos a delícia do toque suave de sua presença soprando nosso coração.
Tem gente que tem cheiro de cafuné sem pressa. Do brinquedo que a gente não largava. Do acalanto que o silêncio canta. De passeio no jardim. Ao lado delas, a gente percebe que a sensualidade é um perfume que vem de dentro e que a atração que realmente nos move não passa só pelo corpo. Corre em outras veias. Pulsa em outro lugar. Ao lado delas, a gente lembra que no instante em que rimos Deus está conosco, juntinho ao nosso lado.
E a gente ri grande que nem menino arteiro. Tem gente como você que nem percebe como tem a alma Perfumada! E que esse perfume é dom de Deus.
12 dezembro 2009
Por que
Por Que ?
Existem coisas na vida que você nunca imaginaria que iria acontecer e do nada acontece e você fica sem saber o que fazer depois
Existem coisas na vida que você nunca imaginaria que iria acontecer e do nada acontece e você fica sem saber o que fazer depois
Por Que ?
Afinal tente e faça pois a vida não passa de uma Tentativa...
(desconheço autoria)
Afinal tente e faça pois a vida não passa de uma Tentativa...
(desconheço autoria)
Chove
Chove. Que fiz eu da vida?
Fiz o que ela fez de mim…
De pensada, mal vivida…
Triste de quem é assim!
Numa angústia sem remédio
Tenho febre na alma, e, ao ser,
Tenho saudade, entre o tédio,
Só do que nunca quis ter…
Quem eu pudera ter sido,
Que é dele? Entre ódios pequenos
De mim, estou de mim partido.
Se ao menos chovesse menos!
09 dezembro 2009
Revelações...
Nas lembranças de cada homem há coisas que ele não revelará para todos, mas apenas para seus amigos. Há outras coisas que ele não revelará nem mesmo para seus amigos, mas apenas para si próprio, e ainda somente com a promessa de manter segredo. Finalmente, há algumas coisas que um homem teme revelar até para si mesmo, e qualquer homem honesto acumula um número bem considerável de tais coisas. Quer dizer, quanto mais respeitável é um homem, mais dessas coisas ele tem.
Dostoievski - 1864
A vida vivida
Quem sou eu senão um grande sonho obscuro em face do SonhoSenão uma grande angústia obscura em face da Angústia Quem sou eu senão a imponderável árvore dentro da noite imóvel
E cujas presas remontam ao mais triste fundo da terra?
De que venho senão da eterna caminhada de uma sombra
Que se destrói à presença das fortes claridades
Mas em cujo rastro indelével repousa a face do mistério
E cuja forma é a prodigiosa treva informe?
Que destino é o meu senão o de assistir ao meu Destino
Rio que sou em busca do mar que me apavora
Alma que sou clamando o desfalecimento
Carne que sou no âmago inútil da prece?
O que é a mulher em mim senão o Túmulo
O branco marco da minha rota peregrina
Aquela em cujos braços vou caminhando para a morte
Aquelas em cujos braços somente tenho vida?
O que é o meu amor, aí de mim! senão a luz impossível
Senão a estrela parada num oceano de melancolia
O que me diz ele senão que é vã toda a palavra
Que não repousa no seio trágico do abismo?
O que é o meu amor? senão o meu desejo iluminado
O meu infinito desejo do ser o que sou acima de mim mesmo
O meu eterno partir na minha vontade enorme de ficar
Peregrino, peregrino de um instante, peregrino de todos os instantes?
A quem respondo senão a ecos, a soluços, a lamentos
De vozes que morrem no fundo do meu prazer ou de meu tédio
A quem falo senão a multidões de símbolos errantes
Cuja tragédia efêmera nenhum espírito imagina?
Qual é o meu ideal senão fazer do céu poderoso a Língua
Da nuvem a Palavra imortal cheia de segredo
E do fundo do inferno delirantemente proclamá-los
Em Poesia que se derrame como sol ou como chuva?
O que é o meu ideal senão o Supremo Impossível
Aquele que é, só ele, o meu cuidado e o meu anelo
O que é ele em mim senão o meu desejo de encontrá-lo
E o encontrando, o meu medo de não o reconhecer?
O que sou eu senão Ele, o Deus em sofrimento
O tremor imperceptível na voz portentosa do vento
O bater invisível de um coração no descampado...
O que sou eu senão Eu Mesmo em face de mim?
(Antologia Poética - Editora Companhia de Bolso)
08 dezembro 2009
Agradecer as flores...
06 dezembro 2009
Tenho tanto sentimento
Tenho tanto sentimento
Que é freqüente persuadir-me
De que sou sentimental,
Mas reconheço, ao medir-me,
Que tudo isso é pensamento,
Que não senti afinal.
Temos, todos que vivemos,
Uma vida que é vivida
E outra vida que é pensada,
E a única vida que temos
É essa que é dividida
Entre a verdadeira e a errada.
Qual porém é a verdadeira
E qual errada, ninguém
Nos saberá explicar;
E vivemos de maneira
Que a vida que a gente tem
É a que tem que pensar.
Que é freqüente persuadir-me
De que sou sentimental,
Mas reconheço, ao medir-me,
Que tudo isso é pensamento,
Que não senti afinal.
Temos, todos que vivemos,
Uma vida que é vivida
E outra vida que é pensada,
E a única vida que temos
É essa que é dividida
Entre a verdadeira e a errada.
Qual porém é a verdadeira
E qual errada, ninguém
Nos saberá explicar;
E vivemos de maneira
Que a vida que a gente tem
É a que tem que pensar.
05 dezembro 2009
Letra para um hino
É possível falar sem um nó na garganta
é possível amar sem que venham proibir
é possível correr sem que seja fugir.
Se tens vontade de cantar não tenhas medo: canta.
É possível andar sem olhar para o chão
é possível viver sem que seja de rastos.
Os teus olhos nasceram para olhar os astros
se te apetece dizer não grita comigo: não.
É possível viver de outro modo. É
possível transformares em arma a tua mão.
É possível o amor. É possível o pão.
É possível viver de pé.
Não te deixer murchar. Não deixes que te domem.
É possível viver sem fingir que se vive.
É possível ser homem.
É possível ser livre livre livre.
é possível amar sem que venham proibir
é possível correr sem que seja fugir.
Se tens vontade de cantar não tenhas medo: canta.
É possível andar sem olhar para o chão
é possível viver sem que seja de rastos.
Os teus olhos nasceram para olhar os astros
se te apetece dizer não grita comigo: não.
É possível viver de outro modo. É
possível transformares em arma a tua mão.
É possível o amor. É possível o pão.
É possível viver de pé.
Não te deixer murchar. Não deixes que te domem.
É possível viver sem fingir que se vive.
É possível ser homem.
É possível ser livre livre livre.
Manuel Alegre
04 dezembro 2009
Cartilha de guerra alemã
O pintor fala da grande época por vir
As florestas ainda crescem.
Os campos ainda produzem.
As cidades ainda existem.
Os homens ainda respiram.
Quando o pintor fala sobre a paz através dos alto-falantes
Os trabalhadores de construção olham para
As auto-estradas e vêem
Cimento espesso, próprio
Para tanques pesados.
O pintor fala de paz.
Aprumando as costas doloridas
As mãos grossas em tubos de canhões
Os fundidores o escutam.
Os pilotos dos bombardeiros
Desaceleram os motores e ouvem
O pintor falar de paz.
Os madeireiros param no silêncio dos bosques
Os camponeses deixam de lado o arado e colocam a mão atrás do ouvido
As mulheres que levam a comida para o campo se detêm:
No terreno revolvido há um carro com amplificador. De lá se ouve
O pintor pedir paz.
Os de cima dizem: guerra e paz
São de substância diferente
Mas a sua guerra e a sua paz
São como tempestade e vento.
A guerra nasce da sua paz
Como a criança da mãe
Ela tem
Os mesmo traços terríveis.
A sua guerra mata
O que a sua paz
Deixou de resto.
No muro estava escrito com giz:
Eles querem a guerra.
Quem escreveu
Já caiu.
Os de cima
Juntaram-se em uma reunião.
Homem da rua
Deixa de esperança.
Os governos
Assinam pactos de não-agressão.
Homem da rua
Assina teu testamento.
Quando os de cima falam de paz
A gente pequena
Sabe que haverá guerra.
Quando os de cima amaldiçoam a guerra
As ordens de alistamento já estão preenchidas.
A guerra que virá
Não é a primeira. Antes dela
Houve outras guerras.
Quando a última terminou
Havia vencedores e vencidos.
Entre os vencidos o povo miúdo
Sofria fome. Entre os vencedores
Sofria fome o povo miúdo.
Os de cima dizem que no exército
Reina fraternidade.
A verdade disso se percebe
Na cozinha.
Nos corações deve haver
O mesmo ânimo.
Mas nos pratos
Há dois tipos de comida.
No momento de marchar, muitos não sabem
Que seu inimigo marcha à sua frente.
A voz que comanda
É a voz de seu inimigo.
Aquele que fala do inimigo
É ele mesmo o inimigo.
General, teu tanque é um carro poderoso
Ele derruba uma floresta e esmaga cem homens.
Mas tem um defeito:
Precisa de um motorista.
General, teu bombardeio é poderoso.
Ele voe mais veloz que um vendaval e carrega mais carga que um elefante.
Mas tem um defeito:
Precisa de um engenheiro.
General, o homem é muito útil.
Ele pode voar e pode matar.
Mas tem um defeito:
Pode pensar.
Quando a guerra começar
Seus irmão se transformarão talvez
De modo que seus rostos não serão reconhecíveis.
Mas vocês devem permanecer os mesmos.
Eles irão à guerra, mas
Não como a uma matança, e sim
Como a um trabalho sério. Tudo
Terão esquecido. Mas vocês
Nada deverão ter esquecido.
Vocês receberão aguardente na garganta
Como todos os outros.
Mas deverão permanecer sóbrios.
Bertolt Brecht
As florestas ainda crescem.
Os campos ainda produzem.
As cidades ainda existem.
Os homens ainda respiram.
Quando o pintor fala sobre a paz através dos alto-falantes
Os trabalhadores de construção olham para
As auto-estradas e vêem
Cimento espesso, próprio
Para tanques pesados.
O pintor fala de paz.
Aprumando as costas doloridas
As mãos grossas em tubos de canhões
Os fundidores o escutam.
Os pilotos dos bombardeiros
Desaceleram os motores e ouvem
O pintor falar de paz.
Os madeireiros param no silêncio dos bosques
Os camponeses deixam de lado o arado e colocam a mão atrás do ouvido
As mulheres que levam a comida para o campo se detêm:
No terreno revolvido há um carro com amplificador. De lá se ouve
O pintor pedir paz.
Os de cima dizem: guerra e paz
São de substância diferente
Mas a sua guerra e a sua paz
São como tempestade e vento.
A guerra nasce da sua paz
Como a criança da mãe
Ela tem
Os mesmo traços terríveis.
A sua guerra mata
O que a sua paz
Deixou de resto.
No muro estava escrito com giz:
Eles querem a guerra.
Quem escreveu
Já caiu.
Os de cima
Juntaram-se em uma reunião.
Homem da rua
Deixa de esperança.
Os governos
Assinam pactos de não-agressão.
Homem da rua
Assina teu testamento.
Quando os de cima falam de paz
A gente pequena
Sabe que haverá guerra.
Quando os de cima amaldiçoam a guerra
As ordens de alistamento já estão preenchidas.
A guerra que virá
Não é a primeira. Antes dela
Houve outras guerras.
Quando a última terminou
Havia vencedores e vencidos.
Entre os vencidos o povo miúdo
Sofria fome. Entre os vencedores
Sofria fome o povo miúdo.
Os de cima dizem que no exército
Reina fraternidade.
A verdade disso se percebe
Na cozinha.
Nos corações deve haver
O mesmo ânimo.
Mas nos pratos
Há dois tipos de comida.
No momento de marchar, muitos não sabem
Que seu inimigo marcha à sua frente.
A voz que comanda
É a voz de seu inimigo.
Aquele que fala do inimigo
É ele mesmo o inimigo.
General, teu tanque é um carro poderoso
Ele derruba uma floresta e esmaga cem homens.
Mas tem um defeito:
Precisa de um motorista.
General, teu bombardeio é poderoso.
Ele voe mais veloz que um vendaval e carrega mais carga que um elefante.
Mas tem um defeito:
Precisa de um engenheiro.
General, o homem é muito útil.
Ele pode voar e pode matar.
Mas tem um defeito:
Pode pensar.
Quando a guerra começar
Seus irmão se transformarão talvez
De modo que seus rostos não serão reconhecíveis.
Mas vocês devem permanecer os mesmos.
Eles irão à guerra, mas
Não como a uma matança, e sim
Como a um trabalho sério. Tudo
Terão esquecido. Mas vocês
Nada deverão ter esquecido.
Vocês receberão aguardente na garganta
Como todos os outros.
Mas deverão permanecer sóbrios.
Bertolt Brecht
01 dezembro 2009
A falta que ama
Entre areia, sol e grama
o que se esquiva se dá,
enquanto a falta que ama
procura alguém que não há.
Está coberto de terra,
forrado de esquecimento.
Onde a vista mais se aferra,
a dália é toda cimento.
A transparência da hora
corrói ângulos obscuros:
cantiga que não implora
nem ri, patinando muros.
o que se esquiva se dá,
enquanto a falta que ama
procura alguém que não há.
Está coberto de terra,
forrado de esquecimento.
Onde a vista mais se aferra,
a dália é toda cimento.
A transparência da hora
corrói ângulos obscuros:
cantiga que não implora
nem ri, patinando muros.
Já nem se escuta a poeira
que o gesto espalha no chão.
A vida conta-se, inteira,
em letras de conclusão.
Por que é que revoa à toa
o pensamento, na luz?
E por que nunca se escoa
o tempo, chaga sem pus?
O inseto petrificado
na concha ardente do dia
une o tédio do passado
a uma futura energia.
No solo vira semente?
Vai tudo recomeçar?
É a falta ou ele que sente
o sonho do verbo amar?
que o gesto espalha no chão.
A vida conta-se, inteira,
em letras de conclusão.
Por que é que revoa à toa
o pensamento, na luz?
E por que nunca se escoa
o tempo, chaga sem pus?
O inseto petrificado
na concha ardente do dia
une o tédio do passado
a uma futura energia.
No solo vira semente?
Vai tudo recomeçar?
É a falta ou ele que sente
o sonho do verbo amar?
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